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Altamiro Borges: ''Os equívocos de José Dirceu''

O ex-presidente nacional do PT e ex-ministro do governo Lula, José Dirceu, está preocupado com os rumos políticos do PCdoB. Em mais um texto no seu blog, nesta semana, ele voltou a fazer comentários críticos sobre a postura tática dos comunistas. De fo

Desta vez, Dirceu expressa seus temores exagerados com a decisão dos comunistas de participar do Bloco de Esquerda e de procurar construir nova alternativa sindical fora da CUT. No que se refere à questão partidária, transparece no texto a lógica hegemonista. Ele afirma que o fato do PCdoB deixar de priorizar as alianças com o PT “não que dizer muita coisa… O PCdoB foi muito mal votado e elegeu apenas 12 deputados, a maioria em coligações com o PT, e um senador, com total apoio do PT, sem o que não teria sido eleito”. De maneira grosseira e inverídica, ele ainda insinua que o motivo de tal “rompimento” (sendo que em nenhum momento o PCdoB se referiu a qualquer rompimento) é a reclamação por maior espaço no governo, “mas, se analisarmos os cargos ocupados pelo PCdoB, vamos ver que a legenda está devidamente representada”.


 


Intrigas e soberba


 


O texto parece querer estimular intrigas na base de apoio do governo Lula. De forma precipitada, José Dirceu vaticina que esta decisão “enfraquece ou quase impossibilita a aliança para 2010” e representaria o apoio “inevitável à candidatura de Ciro Gomes, contraposta ao PT… Isso sem falar na fragilidade do bloquinho PSB, PCdoB, PDT, PMN, PHS e PRB”. Ele também deturpa a posição do PCdoB e, no fundo, recrimina o partido por ter uma linha própria de apoio ao governo, ao dizer:  “Na verdade, o PCdoB flerta com a política de apoiar o governo e fazer oposição à política econômica e disputar com o PT e a CUT”. Para José Dirceu, essa “decisão tão radical” não se justificaria, já que, nas coligações eleitorais, “o PCdoB sempre foi favorecido, e muito, mesmo em detrimento dos petistas”.Quanta generosidade!?


 


Dirceu está viciado na lógica eleitoreira. O PCdoB apóia Lula desde a eleição de 1989, quando muitos petistas nem acreditavam na sua viabilidade – conforme confissão pública do próprio presidente. Durante a grave crise de 2005-2006, quando muitos líderes petistas fugiram dos embates políticos – “nem queriam aparecer na foto ao meu lado”, desabafou o atual presidente –, os comunistas estiveram na linha de frente do enfrentamento à direita golpista. A sua lógica não foi eleitoral, mas sim política, tendo como objetivo maior evitar o retrocesso e garantir avanços na acumulação de forças dos setores populares. Este fato, inquestionável, foi motivo de reconhecimento e elogios de muitos petistas não sectários e nem exclusivistas.


 


Do ponto de vista meramente eleitoral, o PCdoB, que conseguiu eleger 13 deputados federais (e não 12) e um senador, pode até ter sofrido certo prejuízo ao se aliar preferencialmente a um partido satanizado por motivos éticos. Mas nem por isso vacilou em apoiar a reeleição de Lula e, como sempre, de muitos candidatos petistas aos governos estaduais e ao senado. Na prática e não há retórica, a militância comunista fez campanha, ajudou a eleger governadores e senadores do PT. A exemplo dos últimos 20 anos, o PCdoB divulgou o nome e o numero do PT, sem lançar candidatos majoritários, e suou a camisa em todas as campanhas presidenciais de Lula. Ao invés de ficar preso à matemática eleitoreira, o ex-presidente deste partido deveria, isto sim, valorizar o empenho da militância do PCdoB nas inúmeras campanhas majoritárias do PT e na batalha histórica de 2006, que serviram de exemplo para muitos sinceros petistas.


 


Incompreensão sobre as alianças


 


Já a formação do Bloco de Esquerda – e não do “bloquinho”, como a mídia e José Dirceu o desqualificam – foi uma necessidade política. Bem diferente do “blocão”, formado por PT e PMDB, por pura conveniência política de momento. Diante da opção petista de privilegiar a aliança com o PMDB “neolulista”, expressa na sorrateira eleição para a presidência da Câmara Federal, na qual lideres petistas tomaram uma posição unilateral para enfrentar ostensivamente a candidatura Aldo Rebelo, PCdoB, PSB, PDT, PMN, PHS e PRB resolveram somar forças para assinalar que ainda existia o campo de esquerda e insistir na importância do núcleo de esquerda na ampla frente de apoio ao presidente Lula. Não foi o PCdoB e os demais partidos que sabotaram o núcleo de esquerda, mas sim a lógica pragmática de setores dominantes do PT e a sua nítida pendência política ao centro-direita. Quanto ao “inevitável apoio à candidatura de Ciro Gomes”, é pura especulação e uma dose de intriga do ex-presidente do PT.


 


Na prática, o texto de Dirceu confirma uma histórica e crônica incompreensão sobre a política de alianças. Da sua negação total à atual opção pelo pragmatismo, que quase levou ao desastre o primeiro mandato do presidente Lula, prevalece uma visão exclusivista das alianças – que encara o aliado como um apêndice e não como parceiro. Além disso, o texto evidencia o temor pelo fortalecimento de forças políticas mais à esquerda, que não tenham como limite estratégico o governo Lula e que mantenham como perspectiva o socialismo.


 


O próprio Dirceu confessa esse medo ao enfatizar que “o PCdoB não tem nada que o torne mais esquerda que o PT”. Se está tão convicto disto, por que tal demarcação de campos?  Por que a afirmação peremptória de que a tática do PCdoB representa “uma fuga do principal problema dos comunistas: a falta de votos”. Talvez isto explique o seu ativo apoio à draconiana cláusula de barreira, desmascarada por unanimidade pelo STF como antidemocrática e anti-constitucional.


 


Hegemonismo patente na CUT


 


Já no que tocante à questão sindical, José Dirceu confunde as bolas, talvez porque encare o sindicalismo como mera extensão partidária, no pior sentido do termo correia de transmissão. No caso do PCdoB, não há qualquer decisão de formar uma nova central. Há, sim, um grande descontentamento dos comunistas que atuam nesta frente com a atual situação da CUT e a busca de nova alternativa para fortalecer a unidade dos trabalhadores. Dirceu garante que “as acusações de aparelhamento da CUT pela Articulação são ridículas”. Será? Pergunte aos militantes mais sensatos de sua própria corrente, que comeram o pão que o diabo amassou no recente congresso da central e que são totalmente marginalizados na sua direção.


 


Dirceu nem precisa se dar ao trabalho de criticar os seus companheiros mais hegemonistas que aplicaram uma rasteira na CUT da Bahia, que usam métodos fraudulentos em eleições sindicais no Rio de Janeiro, que aplicam uma proporcionalidade desqualificada na executiva nacional da CUT ou que primam pela total falta de transparência no uso dos recursos das entidades filiadas à central. Esse hegemonismo já foi responsável pela exclusão de outras correntes do interior da central, que hoje não representa mais um pólo de unidade do sindicalismo. Vários alertas foram feitos neste sentido, mas ninguém deu ouvidos… nem o próprio José Dirceu, que circula bem no interior da central sindical e conhece suas polêmicas.


 


Quanto à ameaça velada com relação à UNE, “onde o PCdoB exerce hegemonia há décadas e, nem  por isso, concordamos em criar outras entidades”, ela é sim  ridícula. É só analisar a composição da nova direção desta entidade unitária dos estudantes, na qual a UJS, apesar de ser maioria no congresso (mais da metade dos delegados), não possui maioria na sua própria executiva e compartilha os cargos principais com as demais correntes do movimento estudantil.


 


Evitar a dispersão da esquerda


 


O ex-presidente do PT ainda exerce influência no interior deste partido e junto a sua militância sindical. No congresso da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, em meados de junho, ele foi chamado para proferir uma palestra de forma eloqüente: “Convido para mesa o comandante José Dirceu”, apresentou Carlos Alberto Grana, presidente da CNM-CUT. No processo de preparação do 3º Congresso Nacional do PT, ele também está muito ativo no esforço de recompor o ex-campo majoritário – é “o presidente sombra do partido”, afirma um destacado dirigente petista, impressionado com sua desenvoltura. O seu blog na internet é hoje um instrumento indispensável de análise da conjuntura, muitas vezes com posições justas e avançadas das quais comungamos.


 


Seria muito proveitoso que o destacado “comandante” José Dirceu aproveitasse essa influência para, de fato, evitar que os “mortais de esquerda” se digladiem. Ao invés de querer desqualificar o PCdoB, a partir de uma lógica eleitoreira tacanha e de versões inverídicas e mesquinhas, o ex-presidente do PT contribuiria muito mais se ajudasse a recompor o núcleo de esquerda do governo Lula, conforme proposta expressa no Manifesto do Bloco de Esquerda. O rancoroso texto de Dirceu pode ser, infelizmente, “um prenúncio da dispersão da esquerda que possibilita a vitória dos nossos adversários” – como ele próprio alerta. Este, sem dúvida, não é o interesse do PCdoB, que já provou inúmeras vezes o seu empenho pelo sucesso do governo Lula e persiste na necessidade estratégica do avanço das forças populares e progressistas.



 


*Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).