Sem categoria

Delegação do PCdoB observa esforço para “achinezar” marxismo


“Não podíamos querer que Marx, na sua época, nos desse um plano para a China da época atual”, argumentou Wanghua, na primeira palestra ouvida pela delegação do PCdoB em visita de investigação de 12 dias à China. Ele ofereceu aos visitant


Wanghua, responsável pela América Latina no Departamento Internacional do Partido Comunista da China (que ocupa 800 funcionários, em um imponente prédio de Pequim), é evidentemente um quadro das novas gerações do partido. Estudado, viajado, falando um português fluente, reforçado por uma estadia no Brasil, ele falou aos visitantes sobre a construção do PCCh na atualidade a partir dessa vivência, e de um conhecimento direto do PCdoB e outros partidos, do Brasil e da América Latina. Com a mesma desenvoltura, e uma pitada de humor, descreveu, como se prepara o pato laqueado (iguaria-símbolo da culinária de Pequim), que deliciou os comunistas brasileiros ao fim do seu primeiro dia de trabalho na China.


 


Um partido de 72 milhões de comunistas


 


Wahnghua começou sua palestra apresentando dados divulgados naquele mesmo dia (10) pelo Diário do Povo: os membros do PCCh somavam no fim do ano passado 72,391 milhões. O aumento ao longo de 2006 foi de 1,581 milhão. Os novos militantes que se filiaram em 2006 chegaram a 2,63 milhões.


 


“Após quase 30 anos da política de reforma e abertura, o partido tem mais consideração de nosso povo que em qualquer outra fase. Há cinco ou dez anos, os ingressos no partido eram por volta de 1 milhão”, observa.


 


Como estão organizados esses comunistas? O quadro do Departamento Internacional explica que o PCCh possuía, no fim de 2006, 3,56 milhões de organizações em toda a China, das quais 3,17 milhões são organizações de base. As bases por local de trabalho abarcam 92% das empresas do país.


 


Dança e basquete na Organização de Base da aldeia


 


A delegação do PCdoB teve a oportunidade de visitar, neste sábado (14), a Organização de Base do PCCh na aldeia de Diaozhuang, na Região Autônoma de Ningxia, habitada pela minoria étnica dos hui. São 103 os militantes do partido na aldeia camponesa de 2 mil habitantes. O povo do lugar se mobilizou para receber os brasileiros com roupas e danças típicas dos hui, anumadas por uma bateria que incluia um bumbo de mais de dois metros de diâmetro. Em meio a muitas fotos com moradores e seus filhos, os visitantes conheceram uma praça de diversão e exercícios, onde jogaram pinguepongue e basquete com os camponeses; até o ano passado o local da praça, onde está sendo construída também uma casa de cultura, era uma malcheirosa vala de dejetos.


 


Wanghua explicou que, “depois da reforma e abertura, quando ampliamos a economia, também promovemos a organização do PCCh nas empresas não estatais”. O partido possui bases em 2,41 milhões de empresas de economia não pública, o que corresponde a 94,2% do total. “Isto significa que tanto nas empresas públicas como nas individuais ou privadas, as pessoas que apóiam o partido e têm vontade de construir o socialismo são cada vez mais numerosas, concluiu.


 


As Organizações de Base (OBs) podem ser formadas ali onde atuem pelo menos três comunistas. Existem OBs nas unidades econômicas, culturais, administrativas, ONGs e todas as demais atividades.


 


“Alterações e ajustes” às vésperas do Congresso


 


O partido, explicou Wanghui, prepara-se para o seu 17º Congresso, que terá lugar ainda neste ano, e para isso promove “algumas alterações e ajustes”. Os Secretariados dos comitês partidários sofrem um considerável enxugamento. Antes, a norma era um secretário-geral e até dez vice-secretários; agora, mesmo nos Comitês de Província (que às vêzes têm mais de 100 milhões de habitantes), o padrão é de apenas dois vice-secretários: um para se ocupar da administração governamental, e o outro para cuidar especificamente do partido.


 


Na eleição dos Comitês Permanentes (equivalentes das Comissões Políticas, ou Birôs Políticos), aumentam cada vez mais os elementos democráticos”, conta Wanghua. E exemplifica: “Ontem, telefonou-me um velho amigo, para contar que não foi reeleito no seu Comitê Municipal”.


 


“Antes, um caso assim não existia, era raríssimo. Porque se havia dez vagas, havia dez candidatos. Agora mudou, se há oito vagas, concorrem dez candidatos. Este é um passo muito importante para a construção democrática do partido e a reforma política do país”, destaca.


 


O Congresso, além de renovar as direções partidárias em todos os níveis, escolhe também as Comissões de Fiscalização e Disciplina. Sua tarefa é controlar a vida partidária e dar combate à corrupção — uma prioridade reafirmada no último dia 25 em um discurso que está pautando o conjunto dos preparativos do Congresso, pronunciado pelo secretário-geral do PCCh (e presidente da China), Hu Jintao.


 


Wanghua cita dados sobre alguns efeitos deste controle: entre dezembro de 2004 e dezembro de 2005, 116 mil militantes (0,16% do total) receberam alguma punição partidária, e 20 mil deles foram excluídos do partido.


 


Questões atuais da construção do PCCh


 


No âmbito da construção partidária, explica o dirigente do Departamento Internacional, o PCCh empenha-se em quatro questões:


 


A primeira é aplicar e aperfeiçoar o centralismo democrático, desenvolver a democracia, no partido e em toda a sociedade.


 


A segunda questão é formar dirigentes e quadros preparados, e não só na ideologia e na política. Estão sendo introduzidas mudanças no processo de escolha dos ministros, por exemplo, ouvindo o partido e também as massas. O enxugamento dos Secretariados e a promoção de dirigentes mais jovens, na casa dos 50 anos, também pertencem a essa esfera.


 


A terceira questão consiste em elevar o grau de instrução dos comunistas, em uma China bem diferente daquela da libertação (1949), que tinha 90% de analfabetos. “Hoje, 100% dos dirigentes provinciais já têm nível universitário, muitos são mestres, doutores e até professores de doutores”, informa Wanghua. Em todo o partido, 22,19 milhões de militantes (30,7% do total) têm o curso superior. É muito estimulado o domínio de outras línguas (inglês, russo, alemão, coreano, japonês). “O PCCh precisa de ciência e tecnologia”, sublinha Wanghua.


 


A quarta questão é a construção ideológica dos quadros. Wanghua recorda que, na luta revolucionária pelo poder, o PCCh não dava benefícios aos seus quadros; longe disso, apelava para o espírito de sacrifício destes, sacrifício até da própria vida. “No poder, a situação mudou. Com o partido no governo, por décadas e décadas, se os militantes não pensam ideologicamente vão querer saber apenas de poder e dinheiro”, critica.


 


O discurso de Hu Jintao e sua bandeira


 


O discurso de Hu Jintao no dia 25, “um discurso muito importante”, é um ponto de destaque na palestra de Wanghua. Este sublinha, entre os temas de Hu, “o socialismo com características chinesas enquanto uma bandeira do desenvolvimento da China”. Chega a defender um “achinezamento” do marxismo (termo que a delegação voltou a ouvir nos dias seguintes).


 


“Não podíamos querer que Marx, na sua época, nos desse um plano para a China da época atual”, argumenta o palestrante, para justificar o “achinezamento”. “Nas obras clássicas do marxismo, não se encontra como construir o socialismo com caractersísticas chinesas. A etapa primária da construção do socialismo chinês, que vai durar por volta de 100 anos (a contar de 1949), também não se encontra nessas obras”, reforça mais adiante.


 


Wanghua conta que quando esteve no Brasil teve contatos com muitos partidos, “mas foi do PCdoB que tive uma impressão muito profunda”. Destaca que o PCdoB foi o primeiro partido a ser convidado para enviar uma delegação de investigação à China. Ao falar do esforço de rejuvenecimento das direções do PCCh, refere-se à juventude de muitos dirigentes do PCdoB e diz que “queremos aprender com vocês”. É mais que uma simples gentileza: os chineses, mesmo do alto dos seus êxitos atuais, consideram que aprender com a experiência alheia é um dos pilares de sua linha de abertura.


 


De Ningxia, noroeste da China,


Bernardo Joffily