Caminhos de ferro
Espaços de referência histórica, as estações ferroviárias de Fortaleza fazem parte da memória da cidade.
Publicado 09/07/2007 09:10 | Editado 04/03/2020 16:37
Desde que passou a morar em Caucaia há 13 anos, a dona-de-casa Salete Gaspar, 51, retorna a Fortaleza mensalmente de trem, seja para levar a neta para o hospital ou para postar cartas nos correios. Pelas linhas férreas, o percurso de sua casa até a Estação João Felipe, no Centro da cidade, já faz parte de sua memória afetiva. “Comecei a andar de trem, porque tinha muita enxaqueca e o cheiro forte da descarga dos ônibus me fazia mal. O trem já faz parte do meu cotidiano”. Salete lamenta a falta de cuidado dos passageiros com o transporte ferroviário. “Isso é sintoma de falta de educação e de caráter da maioria das pessoas, que acham que andar de trem é coisa de pobre. Mas consigo perceber que cada estação dessas tem seu valor histórico”.
De fato, basta fazer um breve passeio pelas estações ferroviárias da cidade para constatar a visível situação de abandono. Paredes descascadas, grades enferrujadas, trens velhos e com janelas quebradas. “Não tem segurança nenhuma. Os passageiros não querem nada de bom. Já levei até pedrada.”, afirma a cozinheira Maria do Socorro Alves, 40, que mora em Maracanaú e, todos os dias, chega de manhã cedo na Estação da Parangaba para ir ao trabalho. Tombada por decreto municipal em setembro de 2006, a Estação da Parangaba estava ameaçada pela escavação das obras da Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor), no início deste ano. Empresa de economia mista – com participação majoritária do Governo do Estado do Ceará – e responsável pela administração das estações ferroviárias, o Metrofor pretendia demolir a estação, pois ela estaria na rota das obras locais. A não-demolição da estrutura causaria um prejuízo de R$ 10,2 milhões à empresa.
Após os protestos dos moradores locais organizados junto ao Comitê Pró-Tombamento da Estação da Parangaba (CPTEP), o Metrofor apresentou três propostas para conservação da estação: a construção de uma réplica, construída nas proximidades, com custo aproximado de R$ 200 mil; a construção de um memorial com paredes de vidro, preservando restos do antigo prédio (telhas, cobertas, portas, estrutura de madeira e esquadrias), com investimento de R$ 570 mil; e o deslocamento do prédio para nove metros do local original, com o auxílio de quatro macacos hidráulicos. “É uma técnica que só foi feita na Europa e com prédios de estrutura metálica. Com alvenaria, que é o caso da Estação da Parangaba, o risco é maior”, afirma o assessor da Presidência do Metrofor, Fernando Mota. Por enquanto, as três propostas estão sendo avaliadas e as obras do Metrofor no local permanecem em ritmo lento. Tanto para o Comitê quanto para a Prefeitura de Fortaleza, a última proposta seria a melhor solução para a preservação da estação. O deslocamento custaria R$ 5,2 milhões para o Metrofor.
“O ideal seria que a estação nem saísse de seu local, mas seu transporte é a forma mais próxima de proteção. Como é uma das primeiras estações ferroviárias da cidade, a Estação da Parangaba tem seu valor histórico e afetivo para a comunidade, que viu a cidade crescer em torno da estação”, diz Paulo Roberto Ferreira, integrante do CPTEP e um dos autores do pedido de tombamento da estação junto à Prefeitura. Segundo um dos arquitetos responsáveis pelo projeto do memorial e superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Ceará, Romeu Duarte, todas as alternativas foram pensadas para preservar ao máximo a estação. “Sempre defendemos a não demolição do prédio, mas o Metrofor está no Plano de Aceleração de Desenvolvimento, do Governo Federal. Se desviar o traçado do metrô, é preciso ampliar o prazo e gastar mais R$ 12 milhões. Transportar a estação pode ser um serviço de engenharia interessante, mas deve sair os olhos da cara. Mas há a opção do memorial, que é uma reconfiguração do prédio”.
De acordo com outro membro do CPTEP, o historiador Alexandre Gomes, que mora na Parangaba, o Comitê vai enviar um ofício para o Metrofor solicitando uma audiência pública para publicizar as três propostas. “Por ser imóvel tombado, não deveria sofrer modificação. É um crime destruir a estação, cuja memória precisa ser preservada. Ainda estamos lutando para o tombamento oficial da estação, que foi tombada apenas por decreto, como medida de segurança”. Segundo Fernando Mota, o Metrofor não se recusou a se envolver nos debates com o Comitê em relação ao destino da estação. “O que houve foi uma reunião institucional, de negócios, entre o Metrofor e a Prefeitura. No entanto, chegamos apresentar as três propostas no Pólo Esportivo da Parangaba e no Instituto de Geografia, da UFC. Nossas ações são transparentes”, afirma Mota. A diretora do Departamento Histórico e Cultural da Funcet, Ivone Cordeiro, afirma que a pesquisa, a análise e o laudo final da instrução técnica para o tombamento oficial da Estação da Parangaba já foram concluídos e os procedimentos administrativos estão sendo finalizados para o pedido ser enviado à Prefeitura. “A estação guarda uma série de significações para a história do urbanismo da cidade. O correto seria planejar o metrô sem afetar a estação. Vejo na estação mais do que sua argamassa. Há uma aura de vida humana ali”.
Cerca de 20 mil pessoas passam diariamente pelas 24 estações ferroviárias da cidade, que operam duas linhas de trens urbanos – uma norte (Caucaia) e outra sul (Vila das Flores – Pacatuba). A Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor) chegou a reformar 18 dos 36 carros operacionais, além de contar com oito locomotivas. Mas boa parte dos trens reformados já se encontra deteriorada. “Temos um projeto que se chama que promove palestras nas escolas e nas comunidades para conscientizar a população contra o vandalismo. Temos grande quantidade de prejuízo por atos de vandalismo”, afirma Fernando Mota.
Segundo o assessor, o projeto das obras do Metrofor chegou a ser alterado para preservar a Igreja do Mondubim, tombada pelo município e localizada próxima à Estação do Mondubim. Tombada pelo Iphan, a Estação João Felipe também não será afetada pelas obras do Metrofor, que irá construir o metrô nas imediações da rua Padre Mororó, próximo ao cemitério São João Batista. A Estação guarda o acervo do Museu Ferroviário, que anteriormente ficava na antiga Oficina do Urubu, onde hoje é a sede da Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), na avenida Francisco Sá. No início do ano, a Prefeitura de Fortaleza manifestou interesse em ocupar a Estação para transformá-la no Museu da Cidade.
As estações ferroviárias mais antigas
João Felipe
Inaugurada oficialmente em 30 de novembro de 1873, como Estação Central. A estrutura que conhecemos hoje foi inaugurada em 9 de junho de 1880, mas apenas em 1946, o nome foi mudado para o atual em homenagem ao engenheiro de Tauá e ministro do Interior do governo Floriano Peixoto, João Felipe Pereira, por meio de decreto assinado por José Linhares, que assumiu a presidência no lugar de Getúlio Vargas.
Parangaba
Inaugurada originalmente como Estação de Trem de Vila Nova de Arronches, na me sma data da Estação João Felipe: em 30 de novembro de 1873. Foi o primeiro trecho oficial. Na década de 30, foi demolida para ser construída a atual estação que foi inaugurada em 1941.
Mondubim
Inaugurada em 14 de janeiro de 1875 e, em 1970, foi demolida para dar lugar à nova estrutura, feita de alumínio. Fazia parte da estrada de estrada de ferro de Baturité. Historicamente foi uma estação conhecida pelo transporte de passageiros e cargueiros.
Fonte: O Povo