Audiências do zoneamento estiveram “viciadas”
A última audiência pública, realizada pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) para discutir o zoneamento da atividade de silvicultura no Rio Grande do Sul, ocorreu no último dia 19, em Caxias do Sul.
Publicado 01/07/2007 20:34 | Editado 04/03/2020 17:12
Depois dos encontros, que também aconteceram em Pelotas, Santa Maria e Alegrete, surgiram inúmeras denúncias relacionadas à condução das audiências. A maioria dos pronunciamentos era feita por defensores das indústrias papeleiras, enquanto manifestações críticas eram restringidas. Falou-se também que as empresas, com o apoio de sindicatos ligados à Força Sindical, patrocinaram transporte e alimentação para trabalhadores de outras regiões, que lotaram as audiências, muitas vezes sem saber os objetivos das reuniões.
Entrevistas realizadas pela jornalista Karine Endres, na audiência realizada em Caxias do Sul, demonstram as denúncias feitas por entidades ambientalistas gaúchas não são infundadas.
A empresa Florestal Carpelo, de Guaíba, teria bancado o transporte para pelo menos 70 trabalhadores. É o que comprova este entrevistado, que não terá o nome divulgado.
– Eu vim com a turma de Guaíba, da Carpelo.
– A empresa patrocinou o ônibus?
– Isso, patrocinou tudo. A gente veio em dois ônibus. A gente veio por livre e espontânea vontade, eles falaram se a gente quisesse vir, e a gente veio.
A questão do emprego nas indústrias de madeira acaba mobilizando os trabalhadores, como afirma Valdomiro, também de Guaíba, presente à audiência em Caxias: “Para nós, que dependemos do emprego, é importante que eles liberassem para nós o plantio de eucalipto, para termos trabalho. Viemos em torno de uns 80, mais ou menos”.
Alguns dos presentes demonstravam não saber o tema do encontro. Vítor veio do bairro Lomba do Pinheiro, de Porto Alegre, a convite de uma liderança comunitária. “Soube que era sobre o negócio do desmatamento. E achei legal. Vim com uma equipe lá de onde eu moro, no bairro Lomba do Pinheiro”, diz.
Já Ademar, de Bento Gonçalves, também desconhecia o assunto discutido na audiência pública. Ele veio a convite de sindicatos da sua cidade, que seriam ligados à Força Sindical.
– Essa audiência é sobre o desmatamento ou meio-ambiente?, pergunta Ademar.
– É sobre o zoneamento para pínus e eucalipto.
– Ah, eu acho muito importante, porque ultimamente há poucas florestas, precisamos ampliar, principalmente para a matéria-prima.
Também era grande a presença de pessoas de outras regiões, como é o caso de Paulo, do município de Brochier, próximo a Montenegro. O fato de trabalhar no plantio de pínus e eucalipto o fez participar da audiência. “Nós viemos aqui, através do sindicato, para escutar as sugestões deles, o que está certo, o que está errado. Tem certas sugestões aqui que estão difíceis de aceitar. Até certo sou ponto sou (a favor) e até certo ponto não, porque praticamente eu vivo desse negócio de plantação de mato”, conta.
O ecologista Gabriel Simeone, do Instituto de Preservação Ambiental de Caxias do Sul, esteve presente à audiência e criticou a participação maciça de pessoas de outras regiões e a falta de debate com a população. “Na teoria, está funcionando melhor que na prática. A população é a minoria que fala. E nota-se que não é a população de Caxias do Sul que está sendo representada aqui. A maior parte não é daqui de Caxias, nem da região”, diz.
A deputada estadual Marisa Formolo, também presente à audiência, destacou que a maioria dos pronunciamentos defendeu os interesses das grandes indústrias.
“Há uma participação organizada. Há os que representam os grandes interesses das grandes empresas, e os que representam os pequenos e os médios. As manifestações hoje aqui são dos grandes empreendedores”, afirma.
Já para o deputado estadual Elvino Bohn Gass, que participou das quatro audiências públicas, os encontros estiveram “viciados”. “Elas estão muito viciadas. Você percebe que existe uma articulação pró-descontituição de um trabalho feito com tanta pesquisa, com tantos documentos, estudos, com doutores renomados em todas as áreas. Eu acompanhei as audiências públicas e acho que elas têm um vício, que é exatamente tentar imprimir o conceito de que o respeito ambiental é ser contra o desenvolvimento. O que é um grande equivoco”, diz.
O zoneamento ambiental é um estudo técnico, realizado pela Fepam em conjunto com outras entidades, que define as áreas mais adequadas para o plantio de grandes áreas de pínus e eucaliptos no Rio Grande do Sul. O estudo foi contestado pelas empresas de celulose, que o consideraram muito restritivos. As audiências públicas deveriam, teoricamente, ter discutido o documento e levantado críticas e sugestões.
Fonte: Agência Chasque