Reflexões sobre uma viagem a Cuba
Clayton Mendonça
A Revolução Cubana, com todos os seus erros e acertos, avanços e defeitos, continua motivo de orgulho e fonte de inspiração para aqueles que lutam por um mundo mais justo, cada vez mais urgente e necessário.
Publicado 03/04/2007 16:10 | Editado 04/03/2020 16:37
Desde os tempos de estudante primário, Cuba e sua Revolução sempre me despertaram a atenção, curiosidade e admiração pela façanha dos barbudos da Sierra Maestra liderados por Fidel, Che Guevara e Cienfuegos que, armas em punho, depuseram ao protegido estadunidense Fulgêncio Batista e instalaram o até hoje único regime socialista das Américas, que conseguiu resistir a 45 anos de bloqueio econômico e agressões de seu poderoso vizinho do Norte e ao desmantelamento do antigo Bloco Socialista liderado pela extinta URSS.
A vontade de visitar Cuba e conferir pessoalmente a situação do país e seu povo nunca me faltou, mas confesso que ela sempre esteve acompanhada de um certo receio, medo de encontrar uma realidade que eu no fundo não quisesse conhecer e me decepcionar e frustrar minha admiração e minhas convicções de esquerda. Felizmente, não foi o que aconteceu.
Cuba é um país pobre. Correto. Trata-se de uma estreita ilha, menor que o Ceará e com mais que o dobro de sua população, sem nenhum grande recurso natural estratégico e que necessita importar muitos dos bens que consome a preços mais elevados que os cobrados a outros países graças ao bloqueio estadunidense que encarece os fretes cobrados, além de quase todo o petróleo de que depende. Mas ainda assim, conseguiu atingir níveis de educação e saúde de fazer inveja a muitos países desenvolvidos, motivo de orgulho para todos os seus cidadãos, mesmo aqueles de quem ouvi críticas mais ácidas à natureza fechada de seu regime político ou à dureza da vida no país, em que de fato não há espaço para muitos luxos, alguns itens de necessidade básica, como higiene, são racionados e o transporte público é bastante precário.
Mas os tempos de penúria do “regime especial” que se seguiu à queda da URSS e ao fim da ajuda econômica que esse país prestava à ilha parecem mesmo ter chegado ao fim. Graças aos recursos que têm ingressado com o turismo e à mais recente ajuda econômica vinda da Venezuela e sua Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), a recuperação econômica cubana nos últimos anos tem progredido e seus sinais são sensíveis na melhora geral das condições de vida no país e visíveis no imenso número de prédios em processo de restauração no belo centro histórico de Havana. Muito embora, é verdade, esse mesmo turismo tenha trazido um aumento da desigualdade relativa, antes muito menor ou quase inexistente, entre aqueles que via turismo têm acesso mais fácil a divisas e com elas a bens que aos outros cubanos seguem quase inacessíveis.
Porém, o ponto que muitos dos críticos mais raivosos da ilha parecem deixar de lado, e que a mim me parece central, é que tudo precisa ser entendido em seu contexto, e simplesmente não é possível comparar Cuba com a Alemanha, a Suécia ou a Inglaterra. A comparação deve ser feita com países de história e passado semelhantes, e comparada com El Salvador, Guatemala, Bolívia ou Peru, por exemplo, a vantagem cubana é gritante. Ou mesmo se comparada a países mais ricos da América Latina, como Brasil, México ou Argentina.
Não me restou a menor dúvida de que sendo filho da classe média brasileira como sou, levo uma vida muito mais confortável que os cubanos, mas qualquer brasileiro bem informado sabe que somos minoria no país. E comparando-se como vivem os favelados ou habitantes dos grotões rurais com os cubanos, simplesmente não há comparação possível. Por mais austera e regrada que seja a vida em Cuba, vive-se com dignidade, o que não se pode dizer da maioria da população latino-americana e se é certo que algumas coisas poderiam e deveriam ser melhoradas em Cuba me parece no mínimo duvidosa a idéia de que essa melhoria possa ser atendida privatizando os serviços públicos cubanos como se fez (e não deu certo) no resto da América Latina ou legalizando partidos semelhantes aos PFLs e PMDBs da vida e convocando eleições gerais.
Certamente, Cuba não é nenhum paraíso. Como bem coloca Ignácio Ramonet em debate publicado na revista estadunidense “Foreign Policy”´ mais recente, “paraísos existem apenas em anúncios turísticos. Mas para as dezenas de milhões de pessoas que vivem na selva de concreto do mundo contemporâneo – sem abrigo, trabalho, comida, atendimento médico, educação, eletricidade ou água potável – Cuba pode ser, apesar de todas suas imperfeições, um paraíso desejável no horizonte”. A Revolução Cubana, com todos os seus erros e acertos, avanços e defeitos, continua motivo de orgulho e fonte de inspiração para aqueles que lutam por um mundo mais justo, cada vez mais urgente e necessário.
CLAYTON MENDONÇA CUNHA FILHO é cientista político, integrante do Observatório das Nacionalidades – UFC.