A campanha contra a desnacionalização da educação superior privada.
Por *Maria Clotilde Lemos Petta
Publicado 27/03/2007 12:34 | Editado 04/03/2020 17:19
A desnacionalização da educação superior privada é um processo em curso no Brasil. A inversão de capital internacional, sobretudo o norte-americano, na aquisição de instituições de educação superior (IES), tem estimulado o movimento de fusões e de formação de grandes grupos educacionais, que passam a dominar o mercado da educação privada.
No processo de consolidação do mercado, realizam o que chamam de reestruturação administrativa, formando holdings, estimulando que instituições migrem de empresas “não lucrativas para “empresas lucrativas”, constituindo empresa de sociedade anônima com capital fechado e adotando prática de governança corporativa para atender as exigências dos fundos internacionais .
Neste modelo, em que a Educação é tratada como mercadoria, a maior lucratividade é baseada na precarização das condições de trabalho de professores e funcionários, na ausência de condições para desenvolvimento de pesquisa, o que provoca graves prejuízos na formação dos estudantes. Além de rebaixar a qualidade da educação, este processo coloca em risco a soberania nacional, na medida em que fundos internacionais passam a controlar um setor estratégico no desenvolvimento do país.
Embora o governo brasileiro tenha se manifestado contra a pretensão das grandes potências de inclusão da educação como mercadoria na Organização Mundial do Comércio (OMC), a atual legislação não estabelece limites à ação do capital estrangeiro na educação. A luta em curso contra a desnacionalização exige uma análise do atual quadro deste setor.
Os dados dos censos educacionais e as informações de consultores das grandes empresas educacionais publicados nos cadernos de economia dos grandes jornais revelam a gravidade da situação atual. É urgente a necessidade de uma regulamentação deste setor estratégico na construção de um projeto de desenvolvimento nacional.
O censo de Educação Superior de 2005 (IPEP-MEC) revela que mais de 75% dos alunos matriculados pertenciam ao setor privado. Em junho de 2005, havia 4.453.156 alunos matriculados, sendo 3.260.967 em IES privadas. Em relação aos anos anteriores, o ritmo de crescimento deste setor caiu, mas continua num patamar elevado (7.5%), sendo que o maior aumento foi nos cursos de graduação à distância (76%).
É importante ressaltar que apesar dos avanços no setor público, apenas 10.9% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos estavam matriculados na educação superior, índice muito distante da meta do Plano Nacional de Educação, que é chegar a 30% em 2011. Isto significa que a demanda para educação superior continua sendo muito alta. Assim, os empresários de ensino trabalham com uma expectativa de grande aumento das matrículas. “Minha previsão é que o número de matrículas pode dobrar. Hoje estamos com cerca de quatro milhões. Vamos para oito milhões de matriculados em cinco anos” afirma o consultor financeiro Renato de Souza Neto, ex-sócio da Paulo Renato Consultores, para a revista Educação Superior, do Semesp (Sindicato das Mantenedoras do Estado de São Paulo).
Em artigo no jornal Estado de São Paulo (1/1/2007), Carlos A. Monteiro, presidente da CM Consultoria e Ryon Braga, presidente da Hoper Consultoria, consideram que “assim como ocorreu com outros campos da economia, o ensino privado deflagra uma corrida dos gigantes rumo a uma maior concentração de estudantes e possibilidades de ganho de escala”. Os lucros das IES de grande porte são proporcionalmente superiores às empresas como Vale do Rio Doce, Gerdau e Petrobrás. O que é comprovado pelo relatório Valor-1.000 maiores empresas, do jornal Valor Econômico, no qual dez IES do setor privado estão entre as mil maiores empresas do Brasil, no ano de 2005.
A corrida dos gigantes
Em 2005, o Banco Mundial (Bird) fez seu primeiro investimento em universidade privada brasileira. O Grupo Anhanguera Educacional, que tem sede em Valinhos (SP), cujo diretor presidente é Antonio Carbonari Neto, teve 68% de ações adquiridas pelo Fundo da Educação para o Brasil (FEBR), administrado pelo Banco Pátria, em parceria com Gabriel Mario Rodrigues, reitor da universidade paulista Anhembi-Morumbi. Para este negócio, o FEBR recebeu U$ 12 milhões da Internacional Finance Corporation, braço financeiro do Banco Mundial.
Segundo levantamento feito pelo Jornal Gazeta Mercantil, novas inversões de capital internacional estão previstas para 2007. Depois da compra de 51% da Anhembi-Morumbi, no final de 2005, o grupo Laureate Educacion Inc, segundo maior grupo educacional dos EUA, negocia a compra de mais cinco instituições, tendo a intenção de chegar a 100.000 alunos no Brasil. Esta rede internacional já teria acertado sua participação acionária na Universidade Potiguar (UNP) de Natal (RN). Outro exemplo é o Whitney Internacional University System capitalizado pelo fundo de investimento americano Best Associates, que acaba de investir R$ 23 milhões na compra das Faculdades Jorge Amado de Salvador. Sediada em Dallas, a Whitney comanda um sistema internacional presente na América Latina, Norte da África e Oriente Médio. A Whitney que tem a meta de chegar a 20.000 alunos na Bahia e uns 20.000 no restante do nordeste, busca consolidar sua posição comprando instituições pequenas que estão em dificuldades.
O crescimento da educação à distância também é um grande atrativo para os fundos internacionais. A Apollo Group – que tem quase 300.00 alunos na University of Phoenix, onde trabalha com educação à distância sonda o mercado brasileiro atrás de aquisições. Segundo analistas, já estaria em negociação com a Estácio de Sá.
A realidade da educação, sendo tratada como mercadoria, fica ainda mais evidente com a noticia de que a Anhanguera Educacional, instituição que tem sede em Valinhos (SP) lançou, no dia 12 de março de 2007, suas ações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Segundo o que foi noticiada, a oferta global no Bovespa foi de 24,750 milhões de units (cada unit representa uma ação ordinária e seis preferenciais). Na abertura do pregão, cada ação estava cotada a R$18,00. Uma hora depois, já estavam valorizadas e custavam R$ 21,33. Com o preço de R$ 18,00, a Anhanguera pode levantar cerca de R$ 600 milhões. É importante lembrar que em 2005, o Grupo Anhanguera, cujo diretor-presidente é Antonio Carbonari Netto, teve 68% de ações adquiridas pelo FEBR administrado pelo Banco Pátria. Este Grupo é o primeiro da América Latina a abrir o capital e os analistas informam que outros grandes grupos e fundos de investimento também se preparam para entrar no mercado de ações em busca de capital mais barato.
Todas estas informações reforçam a importância da luta contra a desnacionalização da educação. O posicionamento do governo brasileiro, contrário à pretensão das grandes potências de incluir a Educação como Mercadoria na Organização Mundial do Comércio (OMC), tem que ser acompanhado de medidas urgentes, no sentido de conter esta corrida desenfreada de grandes grupos internacionais pelo controle do mercado educacional brasileiro.
Assim, é importante reforçar a campanha iniciada pela CONTEE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino) cujo slogan é “Educação não é Mercadoria”. A CONTEE, com esta campanha, que já conta com apoio de várias entidades como CUT, UNE, CNTE, visa exigir do governo brasileiro medida emergencial de limite à participação do capital estrangeiro, já que o projeto de Reforma da Educação Superior, que estabelecia um limite de 30%, está parado no Congresso, correndo o risco de não ser aprovado. Repudiar um modelo que trata a Educação como mercadoria é defender a Educação como “Bem Público”, um direito a ser assegurado pelo Estado, fundamental para a construção de um novo modelo de desenvolvimento do país, com base na soberania, valorização do trabalho e distribuição de renda.
Maria Clotilde Lemos Petta, professora de Sociologia da PUC-Camp, diretora do Simpro/Campinas e secretária de Comunicação Social da Contee.