Teremos com Franklin Martins a rede pública de TV?
Por Bernardo Joffily
A escolha de Franklin Martins para assumir a área de comunicação social pode se revelar um passo de repercussões estratégicas, na reforma ministerial a conta-gotas do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É o que
Publicado 23/03/2007 18:42
A idéia de rede pública ganhou força ao longo da campanha eleitoral do ano passado. Ficou claro, sobretudo a partir da reta final do primeiro turno, que a mídia dominante, privada e oligopolizada, havia tomado partido. Formou-se um bloco oposicionista-midiático em apoio ao candidato da direita, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-PFL).
Uma aberração, dois desafios
Abertas as urnas, explicitou-se uma aberração: Lula teve 61% dos votos válidos; e o candidato de toda a mídia dominante apenas 39%. Aberração porque em países normais as preferências políticas correspondem mais ou menos às opções de escolha na TV, no rádio ou na banca de jornais. No Brasil de 2006 não.
A disparidade colocou, ou melhor, trouxe à luz do dia, um duplo desafio. O primeiro para as forças históricas, sociais e políticas que elegeram e relegeram Lula: construir a sua própria mídia, a sua alternativa de comunicação. O segundo para o poder público: fomentar também suas alternativas, sem chapa-branca, sem aparelhamento, mas com o espírito de arejar o pensamento único e dar voz aos segmentos da sociedade civil até hoje marginalizados da comunicação de massa.
O novo debate por sorte coincide com uma janela de oportunidade no plano tecnológico. A passagem do país para a TV digital criará as condições para uma considerável abertura do leque de opções hoje à disposição do telespectador, além de outras possibilidades democratizantes, como a aproximação entre a TV e a internet.
O compromisso democratizante de Lula
O Programa de governo de Lula, lançado justo no fim do primeiro turno (29 de agosto), assume compromissos neste sentido. O capítulo Comunicação prevê:
• “Construir um novo modelo institucional para as comunicações, com caráter democratizante e voltado ao processo de convergência tecnológica.
• Incentivar a criação de sistemas democráticos de comunicação, favorecendo a democratização da produção, da circulação e do acesso aos conteúdos pela população.
• Fortalecer a radiodifusão pública e comunitária, a inclusão digital, as produções regional e independente e a competição no setor.”
Em sua primeira reunião neste ano (10 de fevereiro), o Diretório Nacional do PT deu prioridade ao tema. Em tom autocrítico, concluiu que “a democratização do país supõe a democratização da comunicação”. Na parte propositiva, afirmou:
“Trata-se de um tema urgente, envolvendo no curto e médio prazo as seguintes ações:
a) a construção de um sistema público de rádio e tv;
b) a importância de uma mídia privada progressista;
c) a qualificação de nossa produção de conteúdos; e
d) mudanças no marco institucional da comunicação para as organizações sociais.”
Na reforma ministerial, segundo Kennedy de Alencar (18 de março), o presidente afirmou que “não desistirá de TV pública”. O colunista da Folha de S.Paulo cita o próprio Lula: “'Não vou desistir', disse o presidente, segundo ministros que conversaram com ele nos últimos dias”.
O indicado, “de frente e de perfil”
A notícia de que Franklin Martins foi convidado, e aceitou o convite, começa a dar espessura a esta determinação. Ainda não foi tornado público o desenho da área de comunicação que ele assunirá, após as reformas de circunstância sofridas no primeiro mandato. Mas o perfil do escolhido aponta para o impulsionamento do compromisso da campanha presidencial.
Franklin Martins, jornalista, com 58 anos de idade e 43 de profissão, é um comentarista político conhecido dos brasileiros, em especial depois dos oito anos que passou na Globo. Durante o ano passado, foi primeiro deslocado do Jornal Nacional para o Jornal da Globo. Após uma ácida polêmica com Diogo Mainardi, já em plena campanha eleitoral, não teve seu contrato renovado com a Globo, passou à Bandeirantes, ao mesmo tempo em que mantinha um ativo blog (http://www.franklinmartins.com.br/). Nas últimas semanas, entrou de férias, e portanto não cobriu nem comentou a reforma política ou sua própria inclusão como personagem dela.
Uma área do blog, “De frente e de perfil” (clique aqui para ver), contém uma circunstanciada biografia do jornalista, desde os tempos de “foca” na Última Hora e na imprensa sindical, a passagem pelo movimento estudantil, a militância clandestina e o sequestro do embaixador americano, o MR-8, o exílio, o retorno ao Brasil e ao jornalismo. O conteúdo da página contém incontáveis opiniões sobre as mais diferentes temas. É a vantagem de se ter um ministeriável que é profissional da imprensa.
A julgar por este perfil e estas opiniões, Franklin Martins não tem o perfil de um porta-voz, mas pode ter o de implantador da prometida rede pública de TV. E de dar-lhe o perfil “como a BBC”, com autonomia editorial, credibilidade… e audiência.
Não um passeio, mas uma boa briga
Será preciso também deslindar como será o organograma da área que o futuro ministro assume, e quais as áreas de fronteira com os colegas da Esplanada dos Ministérios. Desde já há cabeças se batendo, em especial uma polêmica que opõe o ministro da Cultura, Gilberto Gil, pela esquerda, com o das Comunicações, Hélio Costa, pela… Rede Globo. Este último, num rompante em que aproveitou para atacar Hugo Chávez e Cuba, aproveitou nesta quinta-feira (22) para sugerir que a rede pública começasse pela via da Parceria Público-Privada, ainda por cima com descontos no Imposto de Renda.
Não será portanto um passeio, a implantação dessa rede pública de TV. Os sinais de má-vontade da mídia estabelecida já se fazem sentir, e tenderão a se multiplicar, como já se viu em outros capítulos, na medida em que o projeto siga em frente. Este exigirá tanto talento midiático como determinação, apoio do presidente e da sociedade civil, sobretudo a parcela hoje marginalizada dos mass media. Mas será, se for, uma boa briga.