UBES comemora 25 anos. Entrevista com Juana Nunes, ex-presidente em 1997/98

No dia 31 de outubro, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) comemorou 25 anos de reconstrução. Para comemorar a data a entidade está publicando entrevistas com os ex-presidentes. Entre elas, Juana Nunes, que integra atualmente o Comitê Es

Juana Nunes diz que sua primeira participação política foi aos nove anos de idade, quando os professores pediram para que ela participasse de uma chapa para o grêmio da escola. “Não era totalmente militância”, diz bem humorada.


Jovem participante do “Fora Collor” e presidente da Ames-RJ (Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas do Rio de Janeiro), ela diz que não há idade certa para participar de ações coletivas:


“O movimento estudantil deveria deixar de ser uma tribo da juventude e passar a ser de todas as tribos. O que quero dizer isso? Criar um movimento que envolva toda ação juvenil dentro da escola, a galera do futebol, a galera do teatro, a galera que quer fazer uma oficina de curtas, ou um jornalzinho, todas as iniciativas”, diz.


Em 1997, quando Juana chega à presidência da UBES, o Brasil vivia o fim do primeiro mandato do governo FHC. Segundo ela, o diálogo com esse governo praticamente não existiu. “Para falar com o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, só chutando a porta”, brinca. Juana também lembra de outras ações, como as manifestações contrárias à privatização da Companhia Vale do Rio Doce.


Hoje, formada em História da Arte, a também atriz Juana Nunes acredita que militar no movimento estudantil é fazer história. “Percorri todo o Brasil durante a campanha 'UBES é Massa'. Na UBES, tive a lição de que é possível mudar a sociedade através da ação coletiva. Se você se organiza, sonha junto, você pode fazer isso.”, relembra.


Abaixo, confira a entrevista:


Você já disse uma vez que começou a militar no movimento estudantil com apenas nove anos de idade? Onde e como começou a sua atuação secundarista?


Na verdade foi com essa idade que eu entrei no grêmio da minha escola pela primeira vez. Após a lei do grêmio livre, na década de 80, as escolas incentivavam os alunos a formar as entidades, os professores falavam disso em sala de aula e tudo mais. Os diretores da minha escola então pediram para os estudantes montarem duas chapas, e eu estava em uma, o nome era “Tem que dar certo”, era na época do governo Sarney e havia esse slogan. Claro que não era totalmente uma militância, mas foi minha primeira participação política em alguma coisa, catávamos latas para ganhar televisão, fazíamos festas, essas coisas. Um tempo depois eu realmente entrei no grêmio, eu estava na oitava série e era na época do impeachment. Nessa época eu realmente fui ver o que é o movimento estudantil.



Na sua opinião, existe idade certa para fazer movimento estudantil? Com quais tipos de iniciativa os grêmios das escolas podem agregar alunos de todas as faixas etárias?


Nossa experiência no Rio de Janeiro era muito interessante, o movimento secundarista aqui sempre conseguiu ter esse tipo de iniciativa. Quando a gente estava na UBES, também levamos isso, fizemos o projeto “UBES é Massa”, que era uma campanha de construção de entidades municipais, mas na verdade era muito mais do que isso, discutia uma verdadeira concepção do movimento estudantil, a gente discutia a idéia de que ele deveria deixar de ser uma tribo da juventude, e passar a ser de todas as tribos. O que quer dizer isso? Criar um movimento que envolva toda ação juvenil dentro da escola, a galera do futebol, a galera do teatro, a galera que quer fazer uma oficina de curtas, ou um jornalzinho, todas as iniciativas. Ali você pode discutir a idéia de democracia nas entidades, como fazer as entidades serem transparentes, era uma campanha legal.



Na época em que você chegou à presidência da UBES, qual era o sentimento do jovem brasileiro, suas principais necessidades e reivindicações?


Fui presidente da AMES antes, quando chego à presidência da UBES, o principal sentimento já era o Fora FHC, éramos a geração pós-impeachment, nós que tínhamos lutado por tudo aquilo. Era aquele pessoal que entrou para a política em 1992, militava nas entidades municipais e estava ali na direção da UBES naquela época. Então, tinha ainda muita agitação no movimento, passeatas grandes, e era o momento em que o governo FHC estava no auge, caminhando para sua reeleição e com as políticas educacionais que eram contrarias a nós. Havia a reforma do ensino médio, estava sendo feita a reforma do ensino técnico, desvinculando os cursos profissionalizantes do ensino geral, então era todo um sentimento de construir um grande movimento contrário a esse governo. Foi nesse período também em que começaram as articulações para que se criasse uma organização dos movimentos sociais. Existiram fóruns com a CUT, a UNE, a UBES, o que foi resultar depois na Marcha dos Cem Mil. O MST também estava no auge, era o momento de aglutinação dos movimentos para combater o neoliberalismo.



Nessa época, o governo FHC chegava ao fim de seu primeiro mandato, como era a relação desse presidente com os estudantes?


Péssima. A gente para falar com o ministro da educação Paulo Renato tinha que chutar a porta. Eu só fui recebida pelo Paulo Renato quando existia uma manifestação dos estudantes ou uma manifestação da CONTEE, da CNPE, entidades dos professores, nas marchas da educação. Lá ele recebia a gente só porque botávamos milhares de pessoas na rua. Era uma coisa realmente de oposição, já ficamos acampados na porta da casa de parentes dele, onde ele ia fazer algum debate nós estávamos lá. Havia um clima de radicalização muito grande, porque o governo FHC tinha um pacote neoliberal para a educação. Em todo país, os discursos que tínhamos eram relacionados aos mesmos problemas, por exemplo, na questão do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental) nós entramos com uma ação e ganhamos, o governo não estava colocando o dinheiro do Fundo, apenas repassava, ilegalmente, a responsabilidade para os estados. FHC fazia isso sistematicamente.



A década de 90 viu uma seqüência de privatizações de empresas e serviços nacionais. Durante o ano em que você chega à presidência da UBES, o governo federal privatizou a Companhia Vale do Rio Doce, em uma ação altamente contestada. Como foi a movimentação dos estudantes nesse processo?


Foi muito importante. No dia anterior, todos os movimentos sociais foram para a porta do prédio onde estava sendo feito o leilão. Queríamos realmente conseguir entrar e impedir esse processo, só que o que aconteceu é que apanhamos muito nesse dia, era coisa de Jornal Nacional. Eu me lembro então que, no dia seguinte, nas escolas todas, havia aquele sentimento de indignação. Isso fez com que a nossa causa ganhasse muito mais adesões, A gente foi pra as escolas, e a imagem dos estudantes secundaristas apanhando na TV repercutiu muito. Aí então o movimento cresceu, apareceu gente de todos os lados e havia mais estudantes do que policiais no fim das contas. Aí houve a historia das rosas, uma imagem linda, os policias do lado de dentro das grades e os estudantes de fora, ao invés de mandar pedras ou algo assim, entregavam flores pros soldados. Estávamos ansiosos, houve até uma euforia porque a justiça conseguiu paralisar o leilão. Agente comemorou e tudo mais, mas no final da tarde eles conseguiram privatizar.



Você foi presidente da UBES quando a entidade completou 50 anos. Como foi o processo de resgate da história do movimento secundarista?


Eu fui presidente da AMES também nos 50 anos, eu já queria fazer esse resgate nessa entidade, mas nós não tínhamos recursos para pagar as pesquisas e tudo mais. A gente comemorou, mas não consegui fazer o resgate. Na UBES, um ano antes a gente já programou esse apanhado histórico. Contratamos uma pessoa, a Luiza Barcelos para fazer um relato e correr atrás de todos os ex-presidentes, resgatar a nossa historia, isso virou uma revista, que chamávamos de livro, com entrevistas dessas pessoas. Foi emocionante, fizemos um adesivo comemorativo com as inscrições “UBES 50 Anos, Ainda tem gente que pensa que isso é coisa de criança”. Isso culminou com o lançamento daquela revista comemorativa no auditório da ABI lotado, onde quase todos ex-presidentes vivos compareceram. Foi a primeira iniciativa de resgate histórico das entidades estudantis em geral. A gente foi pioneiro nisso.



Na sua opinião, quais transformações o movimento estudantil precisa nas próximas décadas? Quais serão seus maiores desafios?


Eu acho que estamos em um momento muito positivo do país, mas ainda muito difícil para o movimento estudantil. Ao mesmo tempo em que se pode ter idéias, propor ao governo, dialogar, a UBES não pode se tornar uma entidade governista. Quer dizer, o grande papel do movimento estudantil hoje, com essa irreverência, alegria, a sua capacidade de liderança, é impulsionar esse governo para as mudanças. Se passaram quatro anos de erros e coisas boas. Agora o movimento estudantil deve conversar com ministros, secretários, mas também ir para as ruas reivindicar, discutir. Existe a necessidade de debater também com a sociedade, hoje há o incentivo de um individualismo, de um consumismo na sociedade. A UBES tem o papel de levar o jovem, representar a sua primeira participação política e social. A UBES precisa renovar, estar sempre antenada a novas formas de participação, o que não é um desafio somente dessa geração, todas precisaram passar por isso.



Você também dedicou grande parte de sua vida escolar ao teatro. Qual a importância da arte na vida estudantil?


Eu me formei em historia da arte e também sou atriz. A arte é uma experiência essencial do ser humano, eu aprendi isso quando fiz teatro. Eu me envolvi tanto com a política que deixei o teatro de lado por um tempo. Quando eu voltei para a vida escolar, na universidade, eu decidi voltar à arte. Acho que essa experiência tem uma dimensão política muito forte porque ela expressa o sentimento do homem sobre o mundo e a partir daí você pode criar um fato estético. Todo fato estético é também um fato político, um acontecimento da sociedade. Algo que possa discutir um acontecimento importante, histórico também é arte, é o homem sentindo como pode intervir no mundo, como criar um mundo melhor. Às vezes uma música, uma poesia, uma peça pode transformar mais o homem do que um panfleto.



Qual foi maior aprendizado que ficou da sua trajetória pelo movimento secundarista?


Eu queria dizer que esses foram os anos mais lindos da minha vida, eu vivi momentos, eu conheci o Brasil. Durante a nossa gestão, estive em todos estados do país em função da campanha UBES é Massa, a gente teve que ir em todo lugar para discutir o movimento estudantil, a democracia e preparando os estados para dar continuidade àquilo. Uma coisa que eu queria destacar é isso, para um carioca, um mineiro, um paulista, o nosso universo é muito limitado sobre o que é o Brasil. Na UBES, eu tive a lição de que é possível mudar a sociedade através da ação coletiva. Se você se organiza, sonha junto, pode fazer isso. Eu me sentia fazendo história.