Moniz Bandeira: Alckmin representa a submissão do Brasil aos EUA
Uma eventual vitória do tucano Geraldo Alckmin na disputa presidencial significaria um duro golpe nas políticas de integração da América Latina e de inserção soberana do Brasil no mundo, iniciadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A avaliação é d
Publicado 10/10/2006 23:34
Em entrevista ao Portal do PT, Moniz Bandeira alerta para o acentuado perfil de direita do candidato da coligação PFL-PSDB, “servil aos interesses dos grandes grupos econômicos estrangeiros e nacionais”.
Segundo o professor, entre estes interesses, estaria a volta da política de privatizações e de entrega do patrimônio nacional ao capital estrangeiro.
Moniz Bandeira afirma que a campanha da imprensa brasileira contra Lula pode ser explicada pelo fato de a mídia também estar atrelada – via mercado publicitário – aos interesses dos grandes grupos econômicos internacionais.
Para ele, trata-se de uma campanha “farisaica, de um moralismo hipócrita”, cujo objetivo é levar o Brasil à renunciar a sua soberania e preparar o terreno para a instalação uma área de livre comércio com os Estados Unidos.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
O resultado da eleição presidencial brasileira tem alguma relevância internacional? Qual?
Moniz Bandeira – A vitória do candidato da oposição seria um desastre para os países em desenvolvimento que, liderados pelo Brasil, com o apoio da Rússia, China e Índia, formaram o chamado G-21, a fim de forçar os Estados Unidos e as demais potências industriais a fazerem maiores concessões nas negociações sobre o comércio. Essas potências industriais, a começar pelos Estados Unidos, estão abarrotadas de manufaturas, têm superprodução, e querem abrir e ampliar seus mercados por meio de áreas de livre comércio, sem dar nenhuma contrapartida. O tratado de livre-comércio, nos termos que os Estados Unidos desejam e o candidato da oposição já se mostrou disposto a aceitá-lo, seria um desastre para a indústria brasileira e, também, para a agricultura. O Nafta liquidou a agricultura do México e de nada adiantaram as concessões feitas, pois até um muro na fronteira vai ser construído, separando-o dos Estados Unidos.. O candidato da coligação PSDB-PFL já revelou seu perfil de direita, servil aos interesses dos grandes grupos econômicos estrangeiros e nacionais, e pretende, sem dúvida, submeter o Brasil aos Estados Unidos, mudando substancialmente o panorama político que se delineia na América do Sul, em torno da aliança entre o Brasil e a Argentina para a formação de outro pólo de poder mundial, mediantes a construção da Comunidade Sul-Americana de Nações, cujo núcleo duro é o Mercosul. A campanha contra o presidente Lula encampa e reflete fortes interesses internacionais, que pretendem modificar a política externa do Brasil.
Como reagiram os governos das grandes potências à notícia de que haveria segundo turno no Brasil?
Os governo das grandes potências, diplomaticamente, não podem manifestar-se sobre as eleições em outro país, embora muitas vezes os Estados Unidos não escondam sua preferência pelos candidatos mais conservadores, de direita, como no caso da Venezuela e do México, entre outros. Embora possa manter um bom relacionamento com o presidente Lula e não deva temer sua reeleição, não tenho a menor dúvida de que a preferência do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, é pelo candidato da oposição, do PSDB–PFL, que deseja mudar a política exterior do Brasil e retomar o processo de privatização, ou melhor, de estrangeirização das empresas públicas, e de modo ainda mais radical do que o presidente Fernando Henrique Cardoso, pois se sabe que pretende privatizar, estrangeirizar, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Petrobrás, a Eletrobrás, os Correios, enfim, o que ainda resta de nacional no Brasil. Ele seria capaz, inclusive, de permitir a internacionalização da Amazônia.
Qual a diferença que haveria, entre a política externa de um governo Alckmin e de um segundo mandato de Lula?
Com Lula na presidência, o Brasil ganhou maior respeitabilidade internacional, tem um peso específico nas negociações comerciais. E é por isto que o ataque principal contra seu governo visa a atingir, sobretudo, o Itamaraty, mediante entrevistas com pessoas desqualificadas para emitir opinião sobre política externa, professores e/ou jornalistas, ou com diplomatas aposentados, alguns dos quais imaginam que possam ser nomeados chanceler, caso o candidato da oposição se eleja. Com mais um mandato, o presidente Lula consolidará internacionalmente a posição do Brasil, cuja imagem na Europa é muito positiva, em virtude de haver conseguido grande êxito econômico e de suas realizações sociais. Porém, como já disse nas outras respostas, a eleição do candidato do PSDB-PFL representaria um golpe profundo na política externa que o Brasil está a desenvolver, no sentido de integrar a América do Sul, como um bloco econômico e político, de forma a obter melhor inserção no cenário internacional, uma inserção soberana, sem capitular diante dos interesses das grandes potências industriais. Também representaria um golpe contra a Venezuela, a Argentina e a Bolívia. Não há dúvida de que o Brasil, sob o governo do PSDB-PFL, teria um relacionamento muito ruim com esses países e colaboraria com os Estados Unidos na campanha para derrocar o presidente Hugo Chávez, da Venezuela. A vitória do PSDB-PFL representaria um golpe contra o Mercosul, pois seu candidato está alinhado intimamente com os interesses econômicos e políticos dos Estados Unidos.
Como o sr. avalia a atitude de setores da ultra-esquerda, bem como de setores da esquerda próxima ao PSDB, de não chamar o voto em Lula?
Esses setores de ultra-esquerda ou de esquerda que se opõem a Lula, na eleição para presidente, estão a incorrer no mesmo erro do Partido Comunista da Alemanha, cuja torpeza política, entre 1931 e 1933, permitiu a ascensão de Hitler ao poder. Os comunistas, liderados àquele tempo por Ernest Thälmann, recusaram-se a formar uma frente única contra os nazistas e não faziam diferença entre um governante do Partido do Centro, como Heinrich Brüning, e Adolfo Hitler, que marchava para capturar o poder. Trotsky criticou duramente essa política. Mas Thälmann chegou a desafiar Hitler a assumir o poder, crendo que logo o nazismo se desmoralizaria e possibilitaria a revolução. Os comunistas, em seguida, passaram a fazer concorrência a Hitler, na oposição ao governo de Heinrich Brüning, e abriram o caminho para Hitler. De certo modo, era uma situação parecida com a que agora ocorreu no Brasil. Heloisa Helena e Cristóvão Buarque passaram a competir com o candidato do PSDB-PFL, na oposição ao governo Lula, e não raro seus ataques moralistas eram os mesmos e se confundiam com os do candidato do PSDB-PFL, ataques do tipo que a UDN e Carlos Lacerda faziam contra o governo de Getúlio Vargas, acusando-o de estar sobre um “mar de lama”, ou contra o governo de João Goulart. Esses segmentos da ultra-esquerda ou de esquerda, que votaram em Heloisa Helena ou Cristóvão Buarque, não fizeram outra coisa senão favorecer a extrema-direita, representada pelo candidato do PSDB-PFL. Mas o fato é que a desnacionalização da economia, realizada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, pareceria provavelmente insignificante diante do que Geraldo Alckmin poderia fazer se chegasse a ser o presidente da República. A base social deste candidato do PSDB-PFL são os grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiros, que são os maiores clientes das agências de publicidade e mantêm a grande imprensa, em dificuldades financeiras, como refém, e influenciam suas diretrizes no sentido de galvanizar as classes médias, por meio de uma campanha farisaica, de um moralismo hipócrita, a fim de levar o Brasil a capitular diante dos grandes interesses estrangeiros e renunciar à sua soberania em uma área de livre comércio com os Estados Unidos. Isto é o que não compreendem tais segmentos supostamente ultra-esquerdistas, que atacam o governo de Lula e, consciente ou inconscientemente, estavam e/ou fazem, coro com a extrema-direita.