Dossiê: Francisco Dornelles e a extinção do 13º salário
Candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro, Francisco Dornelles bate na tecla de que é um defensor dos direitos dos trabalhadores. O jornalista Altamiro Borges prova o contrário. Quando Dornelles foi ministro de Trabalho de FHC, seu projeto mais emblemático
Publicado 04/09/2006 02:49
Francisco Dornelles e a extinção do 13º salário
Por Altamiro Borges
Em meados deste ano, circulou pela internet uma notícia que causou inquietação em muitos sindicalistas e trabalhadores. Segundo esta mensagem eletrônica, a Câmara dos Deputados teria aprovado o fim do 13º salário. Felizmente, a informação era a falsa. Ela, porém, serve para desmentir as demagogias difundidas pelo atual candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro, deputado Francisco Dornelles (PP). Na sua bilionária campanha, ele insiste em dizer que ''sempre defendi os direitos dos trabalhadores''. O boato atual lembra que, quando ministro do Trabalho de FHC, ele realmente colocou em perigo o 13º salário do trabalhador.
Diante da confusão criada pela mensagem na internet, o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) emitiu um comunicado explicando as possíveis razões do engano. ''A proposição que mais se aproximava disso, o Projeto de Lei nº. 5.483/01, enviado ao Congresso pelo presidente FHC, tinha por finalidade flexibilizar a CLT, mediante modificação do artigo 618, ao permitir a prevalência do negociado sobre o legislado. Ou seja, o projeto autorizava que a negociação coletiva reduzisse ou eliminasse direitos trabalhistas. Mas aquele projeto, que havia sido aprovado na Câmara e aguardava votação conclusiva no Senado, foi retirado de tramitação pelo governo Lula logo no primeiro ano do seu mandato''.
Ainda segundo o Diap, ''o projeto, elaborado na gestão do ex-ministro do Trabalho, o deputado Francisco Dornelles (PP-RJ), foi aprovado na Câmara e enviado para apreciação do Senado. Nesta Casa, a matéria chegou a tramitar sob o número de PLC 134/01. A resistência e o combate ao projeto na Comissão de Trabalho foram implacáveis, ao ponto da matéria não ter sido aprovada. Isto obrigou o presidente da Câmara à época, deputado Aécio Neves (PSDB-MG), a avocar o projeto para votação diretamente no plenário da Casa. Entretanto, o presidente Lula, que havia assumido o compromisso de sustar a tramitação desse projeto, enviou a Mensagem nº. 78/03, pedindo o arquivamento do PLC-134''.
Flexibilização trabalhista
Este episódio sinistro serve apenas para alertar os desavisados sobre os reais propósitos do atual candidato ao Senado do Rio de Janeiro. Em vários momentos de sua longa carreira política, sempre alinhada com as teses patronais, ele já propôs várias medidas de precarização do trabalho. Como constituinte, em 1988, ele ficou famoso por ser contrário aos avanços trabalhistas, tanto que recebeu nota zero do próprio Diap. Já como ministro do Trabalho do rejeitado FHC, investiu ferozmente contra a Justiça do Trabalho, atacou as organizações sindicais e impôs vários projetos e portarias de desregulamentação das leis trabalhistas.
O seu projeto mais destrutivo, o PL-5.483, só não vingou devido à forte resistência do sindicalismo e da bancada de esquerda no Congresso Nacional. Conforme analisou na época a assessoria jurídica do PT, ''a proposta do ministro do Trabalho acresceria ao caput do Artigo 7º da Constituição Federal, que trata dos direitos sociais, uma ressalva: a de que todos os direitos previstos nos incisos deste artigo poderiam ser flexibilizados, caso fosse assim previsto em negociação coletiva. O texto constitucional passaria a ter a seguinte redação: 'Artigo 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social, ressalvados os dispositivos objetivos de negociação coletiva'''.
Ainda segundo este minucioso estudo jurídico, ''quaisquer dos direitos sociais contidos nesse artigo, como aviso-prévio, 13º salário, férias, FGTS, jornada de trabalho máxima de 44 horas semanais, horas extras, repouso semanal remunerado, redução dos riscos inerentes ao trabalho, adicional de remuneração para atividades insalubres, perigosas ou penosas, proteção em face da automação, dentre outros, até hoje assegurados pelo texto constitucional, poderiam ser reduzidos ou extintos em contratos individuais de trabalho. Esse conjunto básico de direitos trabalhistas deixaria de ser obrigação patronal para ser objeto de negociação. O princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, tão caro aos trabalhadores e à própria história da regulação das relações do trabalho, cairia''.
''Inimigo dos trabalhadores''
Na ocasião, os empresários comemoraram a investida do ministro do ''capital''. Francisco Dornelles foi tratado como herói pelas entidades patronais, o que ajuda a explicar o atual respaldo a sua candidatura. O presidente da poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) na época, Horácio Piva, explicou o apoio numa cínica nota à revista Época (03/12/2001). ''Vivemos hoje uma ditadura econômica em relação ao trabalho''. Já o empresário Stephen Kanitz, articulista da revista Veja, foi ainda mais explícito: ''Para nós, administradores, não faz o menor sentido empresários ficarem 'devendo' férias a seus funcionários… Quem quiser tirar um mês de férias que o faça, mas sem ganhar nada em troca… Nossos antepassados não tinham férias, nem sabiam o que eram sábados e domingos, tinham de caçar um leão todo dia (30/01/02)''.
No final de 2001, o projeto de Dornelles foi aprovado na Câmara Federal por uma margem apertada – 264 votos favoráveis, 213 contrários e duas abstenções. Segundo o noticiário da imprensa, governo FHC usou todos os expedientes escusos para impor a medida. ''Ocorreu liberação de emendas de parlamentares. No Ministério da Agricultura, por exemplo, entre os dias 26 e 28 de novembro, foram empenhados R$ 34,2 milhões. Também em novembro foram liberados R$ 16,1 milhões de restos a pagar'', informou a Folha de S.Paulo. No que se refere ao 13º salário, um quadro explicou o impacto da mudança. ''Como é: Equivale à remuneração de dezembro, sendo pago em duas parcelas, até 20 de dezembro. Como ficará: Poderá ser pago em parcelas, até mesmo mensais''. Na prática, embutia o 13º no salário, surrupiando este direito!
A votação, ainda fresca na memória dos sindicalistas, foi agitada, com vários protestos de trabalhadores. ''O incidente mais grave ocorreu pela manhã, quando militantes da CUT tentaram agredir o ministro do Trabalho, Francisco Dornelles… Cerca de 200 sindicalistas aguardavam a chegada de parlamentares no aeroporto para tentar convencê-los a votarem contra o projeto. Ao desembarcar, Dornelles foi cercado por manifestantes, que tentaram atingi-lo com bandeiras. A confusão, segundo a CUT, teria rendido até um tiro para o alto supostamente disparado por um PM. Dornelles teve de tomar um táxi às pressas porque um dos pneus do carro oficial foi esvaziado'', relatou o repórter Klécio Santos, do jornal Zero Hora.
A partir deste episódio lamentável, Francisco Dornelles passou a ser rotulado de ''inimigo público número um dos trabalhadores'' – bem diferente da imagem que ele tenta vender atualmente para se eleger senador!
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* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro As Encruzilhadas do Sindicalismo (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)