Hezbolá destrói mito israelense

Números indicam que Hezbolá saiu vitorioso; jornais insistem no mantra de que ''Israel ganhou a guerra''. Por Marcelo Netto Rodrigues*

Tática número um prescrita no “manual de redação de guerra” dos jornais controlados por grandes corporações econômicas: manipular a informação em favor de Israel. Exemplo: durante as três primeiras horas após o início do “cessar-fogo”, no dia 14, Israel já havia matado seis integrantes do Hezbolá. Mas os jornais esperaram por mais 20 horas para poder estampar “Hezbolá rompe a trégua”, em suas páginas na internet.


 


Tática número dois: martelar rótulos contra os “inimigos” dos Estados Unidos e de Israel. A ordem é usar o adjetivo “terrorista” ao escrever a palavra Hezbolá, apesar de, semanas atrás, até mesmo a União Européia ter rejeitado essa forma de tratamento ao grupo xiita libanês.


 


Por último, a mais importante, tática número três: recitar o mantra “Israel ganhou a guerra”, apesar de todos os números e análises provarem o contrário. Sem se esquecer de um detalhe: nenhuma linha que lembre os três soldados israelenses seqüestrados — usados como justificativa de Israel para lançar bombardeios contra civis —, os quais não foram resgatados.


 


A imprensa comercial cumpre o seu papel na guerra da “desinformação”, defendendo os interesses dos seus donos. Já se disse que a liberdade de imprensa não existe; existiria, sim, a liberdade de empresa. A brincadeira poderia ser publicada como notícia.


 


Não é à toa que o principal indicador de ações da Bolsa de Nova York, Dow Jones, também seja dono do The Wall Street Journal e parceiro da agência Associated Press — fonte da maioria das notícias republicadas, na íntegra, pelos maiores jornais brasileiros.


 


A mídia cria as suas verdades. Assim, destaca o escritor uruguaio Eduardo Galeano, em texto sobre a guerra, “os israelenses são patriotas e os palestinos são terroristas”. Assim, continua ele, “a chamada comunidade internacional não se angustia em nada com o fato de Israel ter 250 bombas atômicas, embora seja um país que vive à beira de um ataque de nervos [e acaba se preocupando com o Irã]”. Assim, a mídia comercial dá a contribuição para que deixemos de nos perguntar: “Terá sido o Irã o país que lançou as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki?”


 


Fogos de artifício


 


A mídia comercial tenta, de forma prematura, garantir que a guerra acabou – para acalmar o mercado. Só que, na prática, ambos os lados estão encarando o cessar-fogo apenas como um intervalo entre o primeiro e o segundo round da guerra. Os atores envolvidos sabem que uma guerra com maiores dimensões virá pela frente, muito provavelmente com a participação direta da Síria e do Irã.


 


Enquanto isso, tanto o primeiro- ministro de Israel, Ehud Olmert, quanto o líder do Hezbolá, Nassan Nasrallah, declararam-se vencedores do conflito, em pronunciamentos oficiais. Mas com uma diferença. A fala de Nasrallah foi recebida com fogos de artifício por todo o Líbano; a de Olmert, com críticas que colocam sua cabeça a prêmio.


 


A seu favor, Nasrallah conta com o fato de ter destruído “o mito da invencibilidade israelense e sua suposta superioridade política e militar na região”, ao arrastar a guerra por 34 dias, sem sinais de apatia, sem aviões, sem tanques. Além disso, se beneficia de estar sendo alçado, aos 48 anos, ao status uma vez reservado ao líder egípcio Gamal Abdel Nasser — que liderou um movimento pan-arabista, após ter derrubado, em 1952, o governo pró-britânico do rei Faruk, no Egito.


 


Depois de impingir a Israel sua batalha mais longa contra os árabes até o momento, Nasrallah conseguiu a proeza de agradar a “gregos e troianos”, sunitas e xiitas — e até mesmo a cristãos libaneses. Em fevereiro, o Hezbolá contava com apenas 29% de apoio dentro do Líbano, hoje esse índice saltou para 87%.


 



Os números da guerra ajudam a entender as mudanças de opinião. O Hezbolá matou, em sua grande maioria, militares. Israel, por sua vez, civis. Dos cerca de 150 israelenses que morreram, mais de 100 eram militares. Dos cerca de 1.000 libaneses mortos — além da esmagadora maioria ser civil, um terço eram crianças.


 


A Força Aérea Israelense — que conta com 700 aviões de caça — realizou 8.700 missões contra o Hezbolá, ao passo que o grupo xiita lançou contra Israel 4.000 foguetes e alguns mísseis. Mas mesmo com tamanha discrepância de poderio de fogo, o Hezbolá admite ter perdido aproximadamente o mesmo número de homens que Israel — apesar de o último afirmar que matou 475 guerrilheiros.


 


O fato é que enquanto a resolução 1.701 das Nações Unidas — que prevê a retirada das tropas israelenses do sul do Líbano, e a sua substituição por 15 mil soldados libaneses — não se efetiva, a guerra verbal entre os atores coadjuvantes tende a ocupar espaço na mídia. O presidente da Síria, Bashar Assad, no dia 15, cutucou o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, dizendo que o “novo Oriente Médio” ao qual o governo estadunidense aspira tornou-se uma ilusão, com a resistência demonstrada pelo Hezbolá. Assad respondia às declarações que Bush havia dado, seguindo o script, no dia anterior, de que o Hezbolá havia sido derrotado pelas tropas de Israel.


 


*É jornalista do Brasil de Fato