Flávio Aguiar: “A solidão dos jornais”

Os comentaristas da mídia conservadora bem que se esforçaram para desqualificar a reunião de Lula com artistas, no Rio, semana passada, e com intelectuais, em São Paulo, nesta segunda (28). Não funcionou. Eles não conseguem mais pautar a discussão em l

por Flávio Aguiar*


 



Na semana passada registraram-se reações algo iradas na mídia, sobretudo impressa, de que a reunião do presidente Lula com artistas, na casa do ministro Gilberto Gil no Rio de Janeiro, não dera os resultados esperados, ou desejados. Frases descontextualizadas pontuaram os comentários em tomo de indignação ou decepção, como a de que quem faz política acaba tendo que sujar as mãos, que pode ter vários significados, dependendo do contexto em que foi dita. A indignação veio do fato de que a campanha na mídia conservadora em torno de mensalão, sanguessugas e outras coisas desse tipo não chegaram sequer a ser considerados relevantes para aquela discussão, que se centrou nas questões e programas sociais.


 


Nesta semana, na segunda-feira, foi a vez da reunião do presidente com intelectuais em São Paulo. Fontes bem informadas (termo de um jornalismo antigo…) me garantiram que houve, sim, questões de natureza ética levantadas, mas todas com o norte de garantir continuidade e aprofundamento de programas adequados do governo que, no dizer de uma das pessoas presentes, tinha conseguido transformar carências em direitos universalizáveis e combater privilégios privatizantes.


 


Já se notava um certo ranger de dentes por parte de comentaristas na mídia sobre a dificuldade que tiveram de enfrentar, pois até agora suas reclamações não tinham conseguido despertar a animosidade da população de baixa renda. Inicialmente, quando o espetáculo midiático das CPIs estava no auge, quase todos eles consideravam entusiasticamente que a desagregação política da base de sustentação do governo Lula ia começar pelos setores e regiões “mais bem informados” e depois, como vaga irreversível, chegaria fatalmente aos bolsões, regiões, classes “menos informadas”, ou seja, a plebe.


 


Sucedeu o oposto: a vaga bateu num rochedo e reverteu, provocando nos mesmos comentaristas expressões furiosas como “populismo”, “políticas eleitoreiras”, “ignorância”, “não tem jeito”, “crise moral”, quando não desqualificam de todo o voto popular. Lembra tal moda campanhas da finada (finada?) UDN no passado remoto (remoto?) sobre como podia o voto de um médico, de um empresário, de um engenheiro, valer o mesmo do que o voto de um peão ou agricultor de região pobre.


 


As reuniões referidas foram o quod erat demonstrandum de que as campanhas conservadoras dos ou nos grandes jornais, ou mesmo as campanhas moralistas na TV não conseguem mais pautar a discussão em lugar nenhum, nem embaixo, nem no meio, nem em cima da pirâmide social, sempre espertamente confundida com uma pirâmide do bom saber e da boa informação, a não ser naqueles meio-ambientes que se sintam diretamente prejudicados pelas políticas sociais empunhadas pelo atual governo. Por quê? Porque basta ter-se acompanhado algumas discussões em todos esses ambientes para se perceber que o envolvimento de petistas e governistas com atividades que hoje estão sob investigação e julgamento da justiça e inclusive de órgãos do próprio governo provocou consternação sim, e até um período de luto. Mas isto não pautou a disputa eleitoral, que se deu até o momento mais em cima de projetos e prospecções para o futuro do que outra coisa.


 


Mesmo com acusações de inconsistências e as polêmicas críticas levantadas pela esquerda, a base de sustentação política do governo não encolheu, nem se ampliou a base de sustentação política de quem defenda o ideário neoliberal que fracassou ou com ele seja confundido apesar de declarações em contrário.


 


Os auto-proclamados “formadores de opinião” hoje pautam sobretudo a própria opinião, ou ainda um sentimento antidemocrático difuso de que “povo” e “eleição” são expressões que deviam guardar alguma distância cautelosa entre si. Só isso pode explicar a súbita saudade que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso manifestou em relação à presença de um novo Carlos Lacerda entre nós – e logo na semana em que aniversariava o suicídio de Getúlio. Mas há um equívoco na saudade. Lacerda era um grande orador, mas jamais seduziu o povo, a plebe, cuja presença é que faz o desespero conservador hoje em dia. Seduziu largos setores de classe média, impressionados com a ascensão dos trabalhadores ao primeiro plano da política brasileira de então. Quem seduziu os trabalhadores, o povo brasileiro, foi Vargas, que, em que pese seu autoritarismo, tinha uma ousadia que, essa sim, faz falta nos dias que correm.


 


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*Flávio Aguiar é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor da TV Carta Maior. Artigo publicado originalmente no site da Agência Carta Maior.