O Mercosul da linha de fogo dos Estados Unidos
Por Víctor Ego Ducrot, da APM
Há poucas horas, o ministro da Agricultura do Uruguai, José Mujica, disse: “Não me encham com o Tratado de Livre Comércio (TLC), pois os países não podem mudar de lugar”. Sábias palavras; só resta esperar ele as ouça e
Publicado 11/08/2006 14:57
A bem da verdade, são poucos os sinais alentadores que vêm desde a capital norte-americana. Na quarta-feira passada, no fórum organizado pela Câmara de Comércio Uruguai-Estados Unidos, o presidente Tabaré Vásquez perguntou: “Estamos dispostos a percorrer esse caminho? Sim, estamos dispostos a ele. Temos que melhorar nossas relações comerciais com os Estados Unidos…”.
Ele se referia ao que parece iminente. A assinatura de um TLC entre um país membro-pleno do Mercosul e o inventor e promotor do Acordo de Livre Comércio para as Américas (Alca), e o principal responsável, junto à União Européia (UE), pelo fim da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC): Estados Unidos.
A administração de Washington vem cumprindo aquilo que prenunciou a revista britânica The Economist em abril de 2001, em seu artigo “All in family” (Tudo em família): os Estados Unidos estariam dispostos em assegurar que a América se converta em uma zona de exclusão econômica, financeira e comercial a favor de sua própria hegemonia.
Dizia esse artigo que se Washington conseguisse impor a matriz original da Alca, tanto melhor; caso contrário, contava com a OMC e, em última instância, com sua capacidade de pressão para alcançar acordos bilaterais ou bi-regionais.
E isso se deu com vários países: com o Chile, com a Colômbia e com o Peru, por certo nações cujos governos se converteram em porta-vozes do Departamento de Estado na América do Sul.
Obstáculo
O que The Economist não se animou a vaticinar foi o que realmente aconteceu. O Mercosul terminou por se converter no único obstáculo para a estratégia dos Estados Unidos, feito que se viu reforçado pela Cúpula das Américas, no final de 2005, em Mar del Plata, e pela recente Reunião de Cúpula, em Córdoba (Argentina).
Nessa oportunidade, já com a Venezuela como membro-pleno, com a presenã de Fidel Castro como convidado especial e com o presidente da Bolívia, Evo Morales, na qualidade de chefe de Estado de um país associado, o Mercosul voltou a tomar distância das pretensões hegemônicas dos Estados Unidos.
Claro que ficou pendente essa espécie de bomba-relógio que Washington deixou plantada. O posicionamento do Uruguai – e, em boa medida, do Paraguai – a favor de acordos bilaterais com os Estados Unidos, contrários ao espírito e às normas que regem o Mercosul.
Por trás dessas manobras, se encontra a ação diplomática de Washington. A mesma ação que também alimentou as diferenças existentes entre os membros do bloco, como no recente conflito entre Argentina e Uruguai devido ás fábricas de celulose na fronteira dos dois países, assim como a crise entre Bolívia e Brasil por conta dos hidrocarbonetos.
Integração crecente
Apesar dessa estratégia, o governo Bush vê com grande preocupação os projetos de integração que estão surgindo no seio do Mercosul. O gasoduto que será construído na região, o banco de desenvolvimento, os passos na direção de uma moeda única e o apoio às aspirações da Venezuela de ocupar uma como membro provisório do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Recordemos que foi justamente a Venezuela a única voz do Mercosul que até agora se alçou com clareza e contundência para denunciar a política genocida de Israel.
Por tudo o que foi anunciado, os Estados Unidos aumentou o bombardeio diplomático contra o Mercosul. Parte do fogo se concentrou sobre o governo argentino. Nesta quinta-feira (10/8), as pressões foram aumentando quando o Conselho das Américas se dirigiu de Montevidéu para Buenos Aires, para contestar decisões econômicas e comerciais adotadas pelo governo argentino –contestações que têm um único propósito: desestabilizar toda iniciativa política, por incipiente que seja, que faça frente à estratégia de dominação dos Estados Unidos.