Artigo: Edson França explica apoio do movimento negro a Lula

No texto abaixo, o historiador e militante negro Edson França relata as razões pelas quais a Conen manifesta apoio à reeleição do presidente Lula.

Por que grande parte do movimento negro brasileiro apóiam a reeleição de Lula?


 


Por Edson França*


 


No encontro nacional da Conen (Coordenação Nacional de Entidade Negras, realizado em Salvador nos dias 11 e 12 de julho foi, aprovado apoio à reeleição de Luis Inácio Lula da Silva no primeiro turno. Antes, é importante dizer que a Conen agrega mais de 300 entidades do movimento negro organizadas em âmbito nacional, como Unegro (União de Negros Pela Igualdade), Anceabra (Associação Nacional de Empreendedores Afrobrasileiros), Cenarab (Centro de Africanidade e Resistência Afrobrasileiro, articulação que agrega religiosos de matriz africana em todo país), e regional, espalhadas em todas regiões e estados do Brasil.


 


Sua composição é suprapartidária, envolvendo grupos de várias agremiações partidárias e sem partidos e um núcleo dirigente formado por militantes do PT (Partido dos Trabalhadores), PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e PSB (Partido Socialista Brasileiro).


 


O apoio da Conen deriva do resultado prático do atual governo. Avaliamos que houve grandes avanços nas ações do Estado na busca da superação do racismo, com desdobramentos subjetivos e objetivos. Bem como avaliamos que o governo Lula em vários aspectos se orientou pela Declaração de Durban, documento consensuado pelas nações que compõem a ONU, na 3ª Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em 2001 na África do Sul. O governo passado, sob comando de Fernando Henrique Cardoso, simplesmente ignorou compromissos assumidos na qualidade de signatário da Declaração de Durban.


 


Subjetivamente, a vitória de Lula consolida um olhar diferente do povo brasileiro ao estereótipo do governante elaborado pela grande mídia e pela elite nacional. Segundo a elite brasileira, que sempre governou o país, Lula não tem perfil para governar, pois tem pouca escolaridade, origem pobre de retirante nordestino, base no sindicalismo mais avançado e não tem compromisso de classe com os ricos. A mesma base preconceituosa construída para rejeitar Lula sustenta o racismo. Por isso, para as organizações do movimento negro brasileiro que apóiam Lula, reelegê-lo tem como significado a consolidação do caminhar contrário ao preconceito, a discriminação e ao racismo.


 


Ainda no campo da subjetividade, esse governo contribui singularmente para elevação da auto-estima dos homens e mulheres negras, na medida que ascende a cargos de primeiro escalão negras e negras (ministros do Esporte, Orlando Silva Junior, da Cultura, Gilberto Gil, do Meio Ambiente, Marina Silva, da Seppir, Matilde Ribeiro, e indicou para ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa), demonstrando ao Brasil que somente o racismo justifica a ausência de negros em todos espaços sociais, inclusive o de poder político.


 


Objetivamente, Lula, em seu primeiro discurso como presidente da República, declarou que a prioridade de seu governo será o combate à fome e à pobreza, a Declaração de Durban instou os estados nacionais a combaterem a fome e a pobreza como forma de superação dos impactos do racismo. Orientou a universalização das políticas sociais, especialmente na educação, saúde, habitação e trabalho – todos os números demonstram avanços nesses quesitos, mostrando total consonância com os conteúdos estabelecidos em Durban.


 


Não param aí os acertos do atual governo na busca da promoção da igualdade social entre negros e brancos. Em seu primeiro ato, a 9 de janeiro de 2003, sancionou a Lei 10.639, que institui obrigatoriedade do ensino da História da África e da Cultura Afrobrasileira nas escolas públicas e privadas, assim atingindo o âmago do problema: a escola. É consenso do movimento negro o papel fundamental que as escolas podem desempenhar na desconstrução do racismo. Por meio de escolas, as crianças aprenderão a conviver com as diferenças sem atribuir maior ou menos valia a elas.


 


Ainda no campo da educação o Pro-Uni é um exemplo de inclusão de jovens pobres e negros no ensino superior. Lula instituiu a Seppir – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial -, elevando a preocupação governamental com a superação do racismo. Em três anos e meio de existência, a Seppir mostrou sua viabilidade: realizou conferências nos 27 estados e uma nacional, tendo como resultado o “Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial”; levou várias políticas às comunidades quilombolas, tirando-as da brutal condição de pobreza e total desassistência governamental; instituiu um fórum nacional composto por prefeituras e estados para articular as políticas de promoção da igualdade racial.


 


A experiência da Seppir não tem paralelo. Vários países do mundo convivem com conflitos étnicos e não tem instrumentos capazes de responderem demandas oriundas dos conflitos. Essas políticas, denominadas ações afirmativas, caminham em acordo com o movimento negro mundial e com os resultados de Durban.


 


A Conen avalia que muito se fez e há muito o que fazer, num país com 506 anos de existência que viveu 388 anos de escravidão e 115 anos com o Estado e a elite nacional de costa para o povo. Esse país necessitará de tempo para corrigir suas imperfeições. Hoje vemos avanço na reeleição de Lula pelos motivos expostos. Acreditamos que um projeto de desenvolvimento econômico, aliado a um modelo distributivo contribuirá para correção das imperfeições e para emancipação do povo brasileiro. Desejamos um país igualitário, sem racismo e sem machismo.



 


* Edson França é historiador, membro da Executiva Nacional da Unegro (União de Negros pela Igualdade) e da Conen (Coordenação Nacional de Entidades Negras)