Poerner sai do PDT e defende reeleição de Lula

Em carta endereçada ao PDT, o jornalista Arthur Poerner pede a sua desfiliação. Segundo ele, por causa do “encaminhamento que vem sendo dado à participação pedetista na próxima elei&ccedi

Leia abaixo a íntegra da carta:
 
Rio de Janeiro, 2 de junho de 2006.
Meu caro Lupi:

Embora valorize muito o seu esforço para enfrentar o desafio de suceder, na direção do PDT, a um dos maiores líderes políticos brasileiros de todos os tempos, o nosso inesquecível Leonel Brizola, não tenho podido concordar com os rumos trilhados, ultimamente, pelo partido de cujo documento inaugural, a Carta de Lisboa, tive a honra de ser signatário, em junho de 1979. Jamais esquecerei da reação de Brizola quando nos reencontramos naquela histórica reunião da resistência trabalhista interna com os exilados, na sede do Partido Socialista português: ao constatar que eu portava um crachá de observador, o substituiu, imediatamente, pelo seu, de delegado. Foi assim que eu, egresso do PCB em crise, dei os meus primeiros passos no  então futuro PDT.

Não me arrependo desse passo nem dos subseqüentes, pois é inegável a grande contribuição do PDT para a democratização do país, sobretudo nos campos da educação popular básica e da integração à cidadania da maioria marginalizada. A urgência e a justeza dessas causas me conduziram, inclusive, à candidatura a deputado federal, em 1990. Pois elas representavam, para mim, a continuidade da luta que causou a suspensão dos meus direitos políticos por 10 anos, quando tinha 26 anos de idade, em 1966; a prisão, na redação do Correio da Manhã, em 1970; e o longo exílio.

Por tudo isso, não posso referendar o encaminhamento que vem sendo dado à participação pedetista na próxima eleição presidencial. O governo  Lula, apesar dos defeitos, falhas e omissões que se lhe possam atribuir, não é o nosso inimigo; ele é, sim, o avanço nacional possível nas atuais conjunturas internas e externas. Não reelegê-lo significa, na prática, devolver o poder às elites que impedem a emancipação do  nosso
povo desde os tempos do escravagismo, agora travestidas de neoliberais, com suas privatizações e alienações das riquezas nacionais, suas políticas de concentração de renda, sua aversão aos pobres, sua submissão aos EUA e, daí, seu sistemático boicote às tentativas de integração latino-americana. Depois da prodigalidade com que o governo passado tentou permitir a instalação de uma base de lançamento de foguete dos EUA e autorizou a presença dos serviços de inteligência desse país em nosso território, essa "minoria branca e perversa" a que se referiu o governador paulista Cláudio Lembo precisa
voltar ao Planalto para conter o aprofundamento das relações do Brasil com a Argentina, a Venezuela e outros países do continente.

Não com a minha ajuda. Permiti-lo e até propiciá-lo, mediante a apresentação de candidaturas que só favorecerão as hostes reacionárias, é, a meu ver, um erro da esquerda, comparável, em sua gravidade, aos que ela cometeu em 1930, quando Prestes e os comunistas deixaram de participar da revolução modernizadora de Vargas, e em 1954, quando ela se deixou arrastar pelo "mar de lama" produzido para derrubar o governo democrático e nacionalista do maior estadista brasileiro.

Eu não tinha idade para partilhar aqueles equívocos, mas a tenho agora para não compartir o atual e não contribuir, assim, para que a primeira experiência de um homem do povo na presidência do meu país seja afogada pelas marolas alvoroçadas, hipocritamente, por falsos moralistas udenotucanos. Estou convencido de que a política – arte ou ciência – é uma atividade que deve ser regida pela razão, como Prestes o demonstrou em 1945, ao sair de nove anos de prisão defendendo Vargas, e Brizola,  em
1989, apoiando Lula no segundo turno das eleições presidenciais. São estas convicções e o meu profundo respeito pela coerência e pela  disciplina partidária, meu caro Lupi, que justificam, neste momento, os  meus pedidos de renúncia à honrosa posição de membro do Diretório  Regional e de desfiliação do partido que foi parte da minha vida ao  longo dos últimos 27 anos.

Com as saudações fraternais e socialistas do
Arthur José Poerner
 

Escritor e Jornalista

 
Poerner é escritor e jornalista. Professor de Jornalismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Autor de diversos livros, um dos mais famosos, o ensaio O poder jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros (Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968), proibido pela ditadura e relançado, clandestinamente, pelo movimento estudantil, em 1977, e, posteriormente, reeditado em 1979 (Civilização Brasileira), 1995 (Centro de Memória da Juventude, São Paulo) e 2004 (Booklink, Rio de Janeiro).
 

No jornalismo, começou em 1962, no Jornal do Commercio; foi diretor da Folha da Semana e redator do Correio da Manhã (1963-70), todos no Rio de Janeiro, além de colaborador das revistas Política Externa Independente e Revista Civilização Brasileira. Durante o exílio, foi redator e locutor da Voz da Alemanha, de Colônia, e correspondente do Pasquim (Rio de Janeiro) e da revista Istoé (São Paulo), na Alemanha. De volta ao Brasil, foi editor de Cultura da TV-Globo e colaborador das revistas Cadernos do Terceiro Mundo e Bundas, dos diários Estado de São Paulo e Jornal do Brasil, e do semanário OPASQUIM21.