Flávio Aguiar: “Por que Lula resiste”

Há um link entre o presidente Lula e a maioria do povo brasileiro que o ataque cerrado das oposições e de jornalistas conservadores na mídia não conseguiu abalar, muito menos desfazer.

por Flávio Aguiar – Carta Maior

Há um link entre o presidente Lula e a maioria do povo brasileiro que o ataque cerrado das oposições e de jornalistas conservadores na mídia não conseguiu abalar, muito menos desfazer. As tentativas de desestabilizá-lo são evidentes, falando-se até na possibilidade de impeachment. Mas a popularidade do presidente não cai. Ou se cai em breves momentos, se recupera a seguir.

Em recente declaração (http://terramagazine.terra.com.br/interna/) o diretor do Ibope Augusto Montenegro ressaltou:

“Há quase onze meses Lula e seu governo sofrem uma investigação midiática incomparável em relação a outros presidentes do Brasil”.

Mas acrescenta que entre as causas da sustentação de Lula está o simbolismo de sua história pessoal:

“Ele criou a maior central sindical da América Latina, um dos maiores partidos da mesma região, e vindo das camadas mais pobres, de uma família de pau-de-arara, se tornou presidente. O simbolismo disso é poderosíssimo e nem sempre pode ser medido em toda a sua extensão. Quando ele entrou na carruagem da Rainha da Inglaterra, todo esse povo, o Nordeste inteiro, entrou com ele”.

Na mesma reportagem, diz Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi:
“O lulista, o lulismo, é um retrato quase exato da população brasileira; se parece, com algumas exceções, a um corte transversal da sociedade brasileira”.

Traduzindo: Lula tem cara, jeito de povo. Por isso é aceito por uns, e é detestado por outros, os que acham que política é coisa só para gente graúda.

Lula passa a imagem de um homem sincero, bem intencionado, esforçado, ainda que por vezes inexperiente. Mas a imagem de completo despreparo para a presidência, que os conservadores tentaram e ainda tentam grudar nele, não colou.

De qualquer modo, em meio à torrente de acusações sobre corrupção contra seu governo e o PT, sua imagem foi de fato preservada. As acusações não o atingiram.

Também não parece ter dado resultado o argumento de que o petismo teria inaugurado um sistema de corrupção inédito no Brasil; a maioria do povo acha que a corrupção existe sim, mas que ela vem de longe.
Entretanto só uma história forte, ou apenas o fato das acusações não terem atingido o presidente, não justificariam a manutenção da popularidade do presidente. A maioria do povo tem uma percepção positiva das políticas e dos programas sociais iniciados ou intensificados pelo governo Lula e também do seu conjunto. Programas como o Bolsa Família, o Fome Zero, as Farmácias Populares (que barateiam muito o custo dos remédios de doenças crônicas), o Brasil Alfabetizado, o Luz para Todos, a Reforma Agrária, o Computador para Todos são pelo menos bem conhecidos pela população, e muitos deles são bem avaliados.

Outros, como o Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), o Prouni (para facilitar o acesso de jovens carentes à universidade), são bem conhecidos pelo menos pelas populações que deles necessitam. Outras ações do governo também garantem essa popularidade que até mesmo seus adversários são forçados a reconhecer. Entre elas está o estímulo à carteira assinada das empregadas domésticas; também o crédito para a casa própria, aliado à redução dos preços do material de construção.

Certos programas ganharam popularidade junto a populações específicas, como o da melhora no cadastramento de pescadores, por exemplo.
Essas ações impressionam pelo seu conjunto, e também por terem melhorado muito quanto à eficiência, com cadastramentos unificados, embora nisso, como em muitas áreas, ainda haja muito por fazer.
Entre as iniciativas mais recentes, a proposta de ampliação do Farmácia Popular chamou a atenção, pois faz muita diferença para os orçamentos familiares baratear o custo de um remédio que se deve comprar todo mês.

POR QUE RESISTIR COM LULA: O SALÁRIO MÍNIMO

O aumento do salário mínimo (que no mês de abril passou de R$ 300,00 para 350,00, num reajuste de 16,67%) ganhou atenção na imprensa, no rádio e na TV recentemente. Muitos economistas conservadores alertavam com temor que isso causaria inflação. Não foi o caso.

Mas tem mais. Visto de modo isolado, o aumento do salário mínimo parece menor do que na realidade é. Seus efeitos para a maioria do povo, na economia e para a diminuição da desigualdade são muito grandes, tanto no curto como no longo prazo.

Os benefícios imediatos são de porte.

O jornal O Liberal on line (www.oliberal.com.br), de Belém do Pará, em 30/04, chamava a atenção: 23,4 milhões de trabalhadores da ativa recebem até um salário mínimo, mais 16,6 milhões de aposentados. E 24,1 milhões recebem entre 1 e 2 mínimos. Para esses, o aumento é automático. Citando dados do Dieese, a reportagem mostrava: o salário mínimo é o piso de 87 categorias entre 376 registradas: para elas, também o aumento é automático.

Conforme a região, o impacto positivo é maior ainda: no Nordeste, 82% dos trabalhadores ganham até dois salários mínimos. Na região Norte, são 71% da mão de obra ativa.

No país inteiro, cerca de 5 milhões de trabalhadores recebem seguro desemprego, cujo valor, também reajustado automaticamente, tem média em torno de 1,4 salário mínimo.

Ainda segundo o Dieese, esse aumento do mínimo vai representar uma injeção na economia de R$ 25,5 bilhões em um ano, valor que será empregado, sobretudo, em comprar os “bens de salário”: alimentos, vestuário e remédios, ajudando a ativar o mercado interno. Desses 25,5 bilhões, 6% serão injetados na região Norte, 6,5% no Centro-Oeste, 11,5% no Sul, 31% no Sudeste e 45% no Nordeste.

Mais dinheiro nas mãos e compras do povo, melhor arrecadação pública: esta deve crescer em torno de R$ 6,2 bilhões, podendo ajudar, se bem aplicada, em novos programas sociais.

A recuperação do salário mínimo já vinha de antes. Um efeito interessante do aquecimento que isso representa foi citado por César Borges de Sousa, vice-presidente da Caramuru Alimentos, apresentada no jornal Tribuna do Norte, de Natal (www.tribunadonorte.com.br), como a maior processadora de grãos de capital nacional, com um faturamento anual de R$ 1,5 bilhão. Nos meses de janeiro, fevereiro e março deste ano as vendas de pré-cozidos, óleos e farinhas aumentaram de 10 a 16% em relação ao mesmo período no ano passado. Mantendo-se a tendência, as vendas no mercado interno devem representar em 2006 65% do faturamento da empresa, contra 60% em 2005.

Segundo o jornal, a Associação Brasileira de Indústria de Higiene Pessoal já registrou um aumento, nesse período, de em média 16% em relação ao do ano passado.

Quer dizer: uma política vigorosa de recuperação do valor do salário mínimo, ao invés de criar instabilidade, cria uma cadeia virtuosa de reações benéficas. Por exemplo, há estados brasileiros que têm salários mínimos próprios, acima da referência nacional, o que a legislação permite. Em 03/05 o Maringá News, on line, anunciava que o salário mínimo do Paraná, aprovado na Assembléia Legislativa e o maior do país, passou para R$ 437,80. O do Rio Grande do Sul foi para R$ 435,00 e o do Rio de Janeiro para R$ 422,72. No Paraná a expectativa é de que o novo mínimo injete na economia entre R$ 46 e 66 milhões.

MUITO POR FAZER

A recuperação do valor do salário mínimo vem de antes, mas entre 2003 e 2006 ela representou um crescimento de 75% no valor numérico do salário. Descontada a inflação, isso significa um aumento real de 25,3%. Essa tendência cria um clima favorável também para a negociação de categorias que recebem mais do que o mínimo. Segundo o Dieese, em 72% das negociações coletivas no país em 2005, os trabalhadores conseguiram reajustes acima da inflação apurada no período. Se o critério for o de manutenção do poder aquisitivo ou melhora, o percentual vai para 88% (dados da Agência Informes, de Brasília, debrasilia.com).

Mas ainda resta muito por fazer. Segundo dados do Dieese, o Produto Interno Bruto Brasileiro cresceu 5 vezes entre 1940 e 2004. Em compensação, o salário mínimo foi reduzido a um terço do que era nesse período. Ainda hoje, para se preservar o valor de 1940, o mínimo deveria ser de R$ 922,50. Mas para o Dieese o valor ideal para que um pai ou mãe de família pudesse manter a si e mais 3 pessoas ficaria em torno de R$ 1.500,00.

Segundo Ademir Figueiredo, coordenador de Estudos Desenvolvimento do Dieese (citado por Flávia Albuquerque na Agência Brasil em 04/05), “a instituição de uma política de valorização do salário mínimo é a principal maneira de combater a desigualdade social no país”. Por isso, ressalta, é fundamental continuar o trabalho da Comissão Quadripartite, criada pelo governo Lula, reunindo governo, empresários, aposentados e trabalhadores da ativa, “para a formulação de uma política permanente de valorização do salário mínimo”.

Ou seja, o caso do mínimo demonstra, além de um empenho por parte do governo Lula para com a recuperação do seu valor, ainda que a distância a percorrer até um valor razoável ainda seja grande, ele também agiu no sentido de capacitar o Estado para atender de modo negociado os interesses das populações que dependem dos seus reajustes anuais.

O Estado brasileiro nunca foi capacitado para atender de modo digno essas populações. Tão importante quanto combater a corrupção é capacitá-lo a agir dessa forma, abrindo suas agências e conselhos à participação mais intensa dos trabalhadores, coisa que o governo Lula vem fazendo.
Por isso, entre outras razões, a popularidade do presidente resiste. E por isso, pelo muito que ainda há por fazer, é necessário resistir com Lula.

*Flávio Aguiar é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor da TV Carta Maior.