Artigo põe em xeque multinacionais do disco
Em seu artigo originalmente publicado no site "Music News", Maria Luiza Kfouri chama de “escândalo” as recentes declarações de executivos das gravadoras multinacionais, que admitem demanda por boa música, ma
Publicado 18/05/2006 17:15
Quem conhece a história do Brasil sabe o quanto a monocultura implantada por nossos colonizadores foi nociva para a economia do país e foi fundadora da nossa pobreza. Cana de açúcar, ouro, borracha, café, etc., foram sendo explorados cada um à sua época, para servir aos interesses externos, enquanto as nossas necessidades eram ignoradas. Que isso acontecesse naquela época já era um absurdo. Mas inacreditavelmente esta mentalidade perdura até hoje e está em plena vigência entre aqueles que comandam a grande indústria do disco.
Se não vejamos: em março de 2005, o presidente brasileiro da fusão das estrangeiras Sony e BMG, Alexandre Schiavo, declarou à Folha de S. Paulo que “há uma crise na produção musical, mas isso não é culpa da gravadora. É uma crise de criatividade, e não há um gênero musical que seja dominante, como havia na época do axé ou do forró”. No último 6 de abril, a mesma Folha de S. Paulo, em matéria de Luiz Fernando Vianna e Thiago Ney, revela que – para enfrentar o encolhimento de 30% de seu mercado nos últimos 5 anos – “as gravadoras brasileiras têm adotado fórmulas novas, como a taxação em 10% das bilheterias dos shows de seus artistas”. O mesmo Alexandre Schiavo, na mesma matéria, diz que “se estou investindo no artista, nada mais justo do que ter uma parte”. O que Schiavo não diz é que o show é produzido e bancado pelo próprio artista e que, portanto, ele só investe no artista ao gravar e lançar seu disco. Por isso mesmo é desnecessário que se diga que este dízimo é mais do que injusto. Não seria se, na época das vacas gordíssimas, o artista tivesse participado dos lucros que as gravadoras tiveram sobre ele.
Vacas magras – Outro representante da grande indústria, Marcos Maynard, da EMI, faz coro a Schiavo e diz, sempre na mesma matéria da Folha, que “seria legal se isso pudesse ocorrer, porque precisamos de parceiros para viabilizar os produtos. Não que eu tenha interesse em ganhar no show, mas, se ajudasse a bancar uma parte do disco, seria importante”. Ou seja, a grande indústria quer ser “parceira” do artista na hora em que – por incompetência, preguiça, falta de visão e avidez excessiva por lucros – as vacas começam a emagrecer. Se esquece de que se tornou grande indústria exatamente ao investir e apostar no novo, ao entregar sua direção artística àqueles que de fato entendiam do riscado, como Armando Pittigliani, Manoel Barenbein, Aloysio de Oliveira e José Milton, só para citar alguns, e não a “marqueteiros” que estão apenas à procura do sucesso fácil de produção barata, da bundinha bonitinha, da dancinha da garrafa, dos palhaços tiriricas. Pois ainda na matéria da Folha, Alexandre Schiavo lamenta: “Não há um gênero dominante. O que mais tem dado resultado é a MPB de qualidade, com Vanessa da Mata, Marisa Monte, Maria Rita, Ana Carolina. Isto é ótimo porque mostra a demanda por boa música. Mas dá muito trabalho”. Ou seja, abaixo o trabalho, abaixo a qualidade, abaixo o Brasil. Viva a monocultura! Viva a preguiça!
A “demanda por boa música” não deve ser levada em conta porque dá trabalho e não estamos aqui para trabalhar e, sim, para faturar. Parece discurso do deputado Justo Veríssimo, o impagável personagem de Chico Anísio. Ora, se é para o artista se emparceirar à gravadora, que faça como Maria Bethânia e Chico Buarque, que estão lançando seus discos pela Biscoito Fino. São muitas as gravadoras independentes que estão fazendo o trabalho como ele deve ser feito, sem medo de arregaçar as mangas e de, eventualmente, quebrar a cara. Aliás, a matéria da Folha diz que as independentes negam a prática do tal dízimo. João Marcello Bôscoli, da Trama, explica que “quase metade da nossa receita não vem da venda de discos; vem de patrocínios, dos shows que produzimos, do licenciamento de canções”.
Que Olívia Hime, da Biscoito Fino, e João Marcello Bôscoli continuem honrando suas origens e seus sobrenomes e que nunca lhes passe pela cabeça a barbaridade de cobrar dízimos e de ignorar nossa riqueza musical limitando-se à exploração de um único gênero até que a terra fique seca. Antes de terminar, não posso deixar de registrar o meu estranhamento à nenhuma repercussão que a matéria da Folha teve. Nem mesmo na própria Folha. Nem um comentário do editor, nada. Pois não tenho dúvida de que o dízimo e as opiniões expressadas pelos senhores comandantes das gravadoras se configuram num tremendo de um escândalo.