61% dos cearenses vivem na linha de pobreza
Publicado 23/04/2006 17:33 | Editado 04/03/2020 16:37
Mesmo com um número superior ao divulgado pelo IBGE, o LEP vê no Ceará um cenário menos pobre que nove anos atrás. Para o professor de Economia Matemática da UFC e pesquisador do Laboratório, Carlos Alberto Manso, a comparação estabelecida entre 1995 e 2004 indica uma melhoria, ainda que tímida, na economia do Estado. "Resumindo tudo, concluímos que a desigualdade está caindo, a renda está crescendo e a pobreza também está caindo", afirma Manso. Desde o início da pesquisa, em 1995, quando, segundo o pesquisador, chegou-se a uma estabilidade inflacionária, até 2004, o Ceará teve sua pobreza reduzida de 65,9% para 61,7%.
A diminuição é lenta e tímida, sendo superada por outros estados nordestinos como Sergipe, onde a redução da pobreza nesse mesmo período foi de 18%. Isso deve-se à forma adotada pelo Estado para reduzir a miséria. "Existem duas formas de se trabalhar a pobreza: crescer a renda e distribuir a renda. O ideal é quando essas duas coisas vêm juntas. No Ceará, a gente vê claramente se priorizar o crescimento econômico", defende o pesquisador. Segundo ele, se o Estado tivesse escolhido o caminho de crescer favorecendo os mais pobres, provavelmente a redução teria sido mais considerável.
Manso chama atenção para o fato de a renda média estar crescendo e o pobre não ter acesso a ela. Entre 1995 e 2004, o Ceará teve sua renda média elevada de R$ 208,14 para R$ 213,64. Enquanto isso, Santa Catarina passou de R$ 459,58 para R$ 480,26. "Tudo bem que Santa Catarina tem outras condições, mas tudo é Brasil, porque não daria para comparar", questiona Manso. O pesquisador avalia que lugares como Santa Catarina adotaram um modelo econômico mais equilibrado, o que resultou em melhorias mais significativas.
De acordo com Manso, o item mais importante a ser trabalhado na redução da pobreza é a qualificação da população. "De que adianta você colocar uma fábrica, se a população não tem qualificação para trabalhar nessa fábrica, se ela não vai saber aproveitar isso?", indaga, acreditando que a qualificação seria, inclusive, uma solução para os atuais programas de transferência de renda. O ideal seria que junto à verba ofertada pelo Governo, viessem também estímulos que levassem as pessoas a buscar algum estudo.
"Isso aí (os programas de transferência de renda) está melhorando a vida de muita gente. É só o que os pobres têm, mas só iria para algum lugar se estivessem recebendo estímulos. Já que estão sobrevivendo, deveriam receber incentivos para melhorar a qualificação", acredita. Com uma resposta a curto prazo, e sem trabalhar a razão do problema, esses projetos assistencialistas não garantem uma melhoria de vida. "Esse assistencialismo pode gerar uma acomodação, ele (o beneficiado) pode achar que é para a vida toda", defende.
Samba de uma nota só
A família mora em uma casa de dois cômodos: um quarto-sala e uma cozinha. No quarto, uma cama de solteiro, duas cadeiras e duas redes acomodam todos os moradores. Um pano armado sobre camas e redes faz as vezes de forro e segura parte da poeira que cai do teto. Na cozinha, um pequeno recuo, sem porta, serve de banheiro. "A gente não pode tomar um banho demorado, que a água começa a voltar", conta Socorro, explicando que não há saneamento básico no local. Ela aponta para Leonildo, 11, e Leonardo, 5, – os filhos mais novos – e mostra a pele cheia de doenças causadas pela falta de higiene.
As cinco pessoas sustentam-se com R$ 80, provenientes do Bolsa-Família. Desse total, R$ 23 são destinados à luz e outros R$ 22 à água. O restante compra a comida que irá durar bem menos que um mês. Se comprar o gás, é um mês sem comida. "Com o dinheiro (Bolsa-Família), eu consegui parcelar a conta de água em três anos", conta Socorro, explicando que as contas estavam atrasadas e o fornecimento quase cortado.
Sem expectativas de melhora, a dona-de-casa conta que todas as noites vai dormir pensando no dia seguinte. "Eles (os filhos) acordam querendo pão e eu não tenho. De onde é que eu vou tirar?", questiona. Na família, o sofrimento até parece hereditário. Na rua seguinte, Iara de Oliveira, a filha mais velha, segue a mesma saga. Com dois filhos pequenos, Iara cozinha na lenha, pois não tem dinheiro para comprar o gás. "Acabaram de arrancar os fios de energia", afirma, explicando que as contas estavam todas atrasadas. Assim como a mãe, o auxílio não é suficiente para custear a alimentação e outras despesas da casa por um mês. "O arroz e o feijão a gente vai ganhando dos vizinhos", conta.