61% dos cearenses vivem na linha de pobreza

Na Universidade Federal do Ceará, o Laboratório de Estudos de Pobreza calcula índices que mostram um Ceará ainda mais pobre. Por outro lado os programas do governo têm contribuído para a redução dos índices de pobreza.

Enquanto a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que 46% dos cearenses vivem com até meio salário mínimo, os números do Laboratório de Estudos de Pobreza, da Universidade Federal do Ceará (LEP/UFC), mostram um Estado ainda mais pobre. As estatísticas, realizadas até 2004, apontam que 61% dos cearenses vivem na linha da pobreza. A metodologia adotada, entretanto, é a do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que avalia o valor de uma cesta calórica e calcula R$ 147 como o necessário para o cearense alcançar o índice de pobreza. Apesar da diferença, os valores equivalem, uma vez que meio salário mínimo hoje significa R$ 175.

Mesmo com um número superior ao divulgado pelo IBGE, o LEP vê no Ceará um cenário menos pobre que nove anos atrás. Para o professor de Economia Matemática da UFC e pesquisador do Laboratório, Carlos Alberto Manso, a comparação estabelecida entre 1995 e 2004 indica uma melhoria, ainda que tímida, na economia do Estado. "Resumindo tudo, concluímos que a desigualdade está caindo, a renda está crescendo e a pobreza também está caindo", afirma Manso. Desde o início da pesquisa, em 1995, quando, segundo o pesquisador, chegou-se a uma estabilidade inflacionária, até 2004, o Ceará teve sua pobreza reduzida de 65,9% para 61,7%.

A diminuição é lenta e tímida, sendo superada por outros estados nordestinos como Sergipe, onde a redução da pobreza nesse mesmo período foi de 18%. Isso deve-se à forma adotada pelo Estado para reduzir a miséria. "Existem duas formas de se trabalhar a pobreza: crescer a renda e distribuir a renda. O ideal é quando essas duas coisas vêm juntas. No Ceará, a gente vê claramente se priorizar o crescimento econômico", defende o pesquisador. Segundo ele, se o Estado tivesse escolhido o caminho de crescer favorecendo os mais pobres, provavelmente a redução teria sido mais considerável.

Manso chama atenção para o fato de a renda média estar crescendo e o pobre não ter acesso a ela. Entre 1995 e 2004, o Ceará teve sua renda média elevada de R$ 208,14 para R$ 213,64. Enquanto isso, Santa Catarina passou de R$ 459,58 para R$ 480,26. "Tudo bem que Santa Catarina tem outras condições, mas tudo é Brasil, porque não daria para comparar", questiona Manso. O pesquisador avalia que lugares como Santa Catarina adotaram um modelo econômico mais equilibrado, o que resultou em melhorias mais significativas.

De acordo com Manso, o item mais importante a ser trabalhado na redução da pobreza é a qualificação da população. "De que adianta você colocar uma fábrica, se a população não tem qualificação para trabalhar nessa fábrica, se ela não vai saber aproveitar isso?", indaga, acreditando que a qualificação seria, inclusive, uma solução para os atuais programas de transferência de renda. O ideal seria que junto à verba ofertada pelo Governo, viessem também estímulos que levassem as pessoas a buscar algum estudo.

"Isso aí (os programas de transferência de renda) está melhorando a vida de muita gente. É só o que os pobres têm, mas só iria para algum lugar se estivessem recebendo estímulos. Já que estão sobrevivendo, deveriam receber incentivos para melhorar a qualificação", acredita. Com uma resposta a curto prazo, e sem trabalhar a razão do problema, esses projetos assistencialistas não garantem uma melhoria de vida. "Esse assistencialismo pode gerar uma acomodação, ele (o beneficiado) pode achar que é para a vida toda", defende.

Samba de uma nota só

Já cantava Paulinho da Viola: "Pode guardar as panelas/ que hoje o dinheiro não deu (…) Meu ordenado apertado, coitado, engraçado/ Desapareceu". O samba de 1979 não foi inspirado na cearense Socorro Cavalcante, mas bem que poderia ser uma página qualquer do diário dessa mulher. Moradora da ocupação Terra Prometida, em Fortaleza, Socorro, às vésperas de completar 50 anos, diariamente enfrenta um novo desafio para encontrar almoço para ela, três de seus cinco filhos e o irmão.

A família mora em uma casa de dois cômodos: um quarto-sala e uma cozinha. No quarto, uma cama de solteiro, duas cadeiras e duas redes acomodam todos os moradores. Um pano armado sobre camas e redes faz as vezes de forro e segura parte da poeira que cai do teto. Na cozinha, um pequeno recuo, sem porta, serve de banheiro. "A gente não pode tomar um banho demorado, que a água começa a voltar", conta Socorro, explicando que não há saneamento básico no local. Ela aponta para Leonildo, 11, e Leonardo, 5, – os filhos mais novos – e mostra a pele cheia de doenças causadas pela falta de higiene.

As cinco pessoas sustentam-se com R$ 80, provenientes do Bolsa-Família. Desse total, R$ 23 são destinados à luz e outros R$ 22 à água. O restante compra a comida que irá durar bem menos que um mês. Se comprar o gás, é um mês sem comida. "Com o dinheiro (Bolsa-Família), eu consegui parcelar a conta de água em três anos", conta Socorro, explicando que as contas estavam atrasadas e o fornecimento quase cortado.

Sem expectativas de melhora, a dona-de-casa conta que todas as noites vai dormir pensando no dia seguinte. "Eles (os filhos) acordam querendo pão e eu não tenho. De onde é que eu vou tirar?", questiona. Na família, o sofrimento até parece hereditário. Na rua seguinte, Iara de Oliveira, a filha mais velha, segue a mesma saga. Com dois filhos pequenos, Iara cozinha na lenha, pois não tem dinheiro para comprar o gás. "Acabaram de arrancar os fios de energia", afirma, explicando que as contas estavam todas atrasadas. Assim como a mãe, o auxílio não é suficiente para custear a alimentação e outras despesas da casa por um mês. "O arroz e o feijão a gente vai ganhando dos vizinhos", conta.

Fonte: jornal O POVO.